Entre Março e o final do verão há um som que se faz ouvir dia e noite pelos caniçais do litoral do país, anunciando a presença de um pequeno passeriforme da família das felosas.
O seu persistente canto mesmeriza-nos e provoca-nos a compulsão de o procurar, de o tentar observar... esforço muitas vezes inglório, pois esta ave é geralmente bastante tímida. Quando (se) finalmente o conseguimos encontrar é impossível não ficar ali uns minutos, magnetizados, a apreciar aquele espectáculo da natureza...
Petisco muito apreciado, o tordo é possivelmente a ave que todos os anos é abatida em maiores números pelos caçadores.
Por altura desta foto, cerca de uma semana depois do final da época venatória, era ainda possível encontrar nas nossas matas alguns dos muitos sobreviventes que se alimentavam e preparavam para o regresso a terras mais setentrionais onde iriam procriar.
Em Portugal, a nidificação desta espécie costumava ocorrer apenas no extremo norte do território, havendo no entanto sinais de expansão para sul nos últimos anos. (Catry et al 2010)
Este solitário espécime vagueava num pequeno bosque de sobreiros e oliveiras, debicando o solo em busca de pequenos invertebrados na companhia de outros passeriformes. Para surpresa de alguns "passeadores de canídeos" que por ali deambulavam, vi-me obrigado a rastejar durnte algum tempo para conseguir aproximar-me a distância de "tiro".
Florestas, estepes, montanhas, rios, desertos, lagos, dunas, oceanos... diversos habitats, cada qual com as suas especificidades e a sua rede de interacções. Ditam as leis do senso comum que nas regiões mais áridas sobrevivam apenas as espécies resistentes e fortes, mas será realmente assim?
Nas brutais pressões das fossas abissais sobrevivem peixes de formas tão delicadas que o seu corpo é transparente, nas escaldantes areias dos desertos podemos encontrar pequenos e frágeis lagartos, nas inóspitas montanhas chinesas ainda resiste uma cada vez menor população de Pikas - um pequeno e "fofinho" mamífero aparentado com os coelhos. Estes, entre tantos outros exemplos, são a demonstração cabal de que na natureza a robustez física não é determinante para a sobrevivência, por muito agreste que seja o habitat. A rudeza e a delicadeza coexistem e muitas vezes complementam-se.
Dito isto, devo confessar que a última coisa que eu esperava encontrar no topo de uma serra rochosa e agreste, era uma frágil borboleta...
Borboleta-de-pintinhas (Glaucopsyche melanops) Serra da Gardunha (15-06-2017)
Num mundo (demasiado) formatado de acordo com os interesses da espécie humana e em que os restantes animais vão sobrevivendo como podem, algumas espécies adaptaram-se melhor que outras e aprenderam a "utilizar-nos" como ferramenta de prosperidade.
Talvez esta espécie esteja entre as mais adaptáveis e oportunistas. Caçadores, pescadores e até necrófagos, é possível encontrá-los a pescar os invasores lagostins-vermelhos nos nossos ribeiros, a seguir tractores agrícolas em busca de algum pequeno animal fugitivo, a devorarem os restos de alguma vítima de atropelamento ou até a alimentarem-se do nosso lixo nos aterros.
A sobrevivência que se diz ser apanágio dos fortes, é na realidade um privilégio dos adaptáveis.
Milhafre-preto (Milvus migrans) IBA* Planícies de Évora (09-05-2016)
Basta um som, uma vocalização distintiva, para imediatamente sabermos o que se aproxima. Uma das visões mais belas dos nossos cursos de água: um rápido e brilhante raio azul que termina com uma explosão de laranja quando ele poisa, vigilante, no topo de um qualquer poleiro à beira d'água. Um mergulho repentino, o surgir momentos depois com uma presa no bico e um pequeno voo até ao local do repasto completam o ritual e deixam-nos com um sorriso de satisfação na cara...
Just a sound, a distinctive vocalization, and we immediately know who is coming. One of the most beautiful views of our waterways: a quick and bright blue lightning that ends with an orange explosion when he lands vigilant on top of some perch at the edge of water. A sudden dive, emerging moments later with prey in its beak and a short flight back to the perch complete the ritual and leave us with a smile of satisfaction on our face...
Kingfisher (Alcedo atthis) Sesimbra - Portugal (28-08-2016)
Seria de pensar que uma cidade densamente povoada como Lisboa não pudesse albergar uma grande variedade de espécies selvagens, devido à perturbação causada pela pressão humana.
No entanto, o sucesso evolutivo é apanágio dos adaptáveis e a vida acaba por encontrar maneiras de se desenvolver nesta floresta de betão e vidro. Em plena metrópole existem reconhecidos polos de biodiversidade como o Parque Tejo, os Jardins da Gulbenkian ou o Parque Florestal de Monsanto... mas qualquer pequeno jardim, quintal arborizado ou zona relvada pode esconder mistérios apenas revelados aos olhos dos mais atentos.
Em época de migração outonal, resolvi aproveitar o intervalo do meio da manhã para descontrair um pouco do trabalho e procurar passarinhos nos jardins das redondezas. Observei o sempre espalhafatoso gaio, alguns pardais, estorninhos, melros, três espécies de chapins, trepadeiras, piscos, um papa-moscas-preto e... a surpresa do dia.
Torcicolo (Jynx torquilla) Lisboa (11-10-2017)
Esta pequena e críptica ave da família dos pica-paus deve o seu nome ao hábito de torcer o pescoço de forma quase ofídica. Pode ser avistada no chão (devido à sua preferência alimentar por formigas) ou nos troncos das árvores onde sua plumagem mimética a torna bastante difícil de detectar.
Quando tentamos fotografar uma ave, há sempre a tendência de querer chegar o mais próximo possível. No entanto as estratégias utilizadas variam de acordo com os objectivos, a experiência, a perícia, a paciência e a consciência de cada um.
Pessoalmente, não me agradam os métodos que desvirtuam o comportamento habitual das aves, nem as tentativas desregradas de aproximação a aves em nidificação. Já as longas esperas no seu meio natural, a arte na utilização de camuflagens, a perícia na escolha do local, a paciência de predador aguardando aquele momento em que a ave, confiante, vem até nós... isso tem valor. Capturar momentos únicos causando pouco ou nenhum impacto na vida das aves é, para mim, a verdadeira definição de Fotografia de Natureza e Vida Selvagem.
No entanto, às vezes um simples passeio pode ser suficiente para conseguir uma boa aproximação... todos já encontrámos aquela ave mais inexperiente, mais distraída ou apenas mais tolerante que nos permitiu uma foto "tipo passe" da qual não estávamos de todo à espera. Esta minúscula ave, confesso, deixou-me com um sorriso no rosto.
Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis) Parque das Nações - Lisboa (23-08-2016)
Em 1995, com a aplicação pioneira do acordo de Schengen, Portugal abriu as suas fronteiras aos cidadãos da UE (na altura apenas à França, Espanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Alemanha), tendo deixado de existir controlo sobre as suas movimentações dentro deste espaço.
Já as aves não se deixam limitar por essas mesquinhices humanas e as suas movimentações são naturalmente livres e obedecem apenas às condições naturais e aos padrões migratórios "imprimidos" nos seus instintos. Sendo que o conhecimento desses padrões é um precioso auxiliar para os projectos de conservação, um dos métodos mais utilizados para o efeito é a anilhagem científica.
De onde vêm as aves que invernam em Portugal? Por onde passaram? E as estivais, para onde migram? Para o ano voltam aos mesmos locais? Estas e outras perguntas podem ser respondidas com recurso à leitura (e respectivo reporte) de uns poucos dígitos inscritos numa(s) pequena(s) anilha(s). Quase como colocar carimbos num passaporte...
No caso específico destas anilhas metálicas, é pouco frequente a sua leitura sem que a ave tenha sido recapturada ou mesmo encontrada morta. No entanto, uns breves segundos de sorte permitiram-me ler os 7 algarismos suficientes para reportar esta observação ao respectivo projecto.
Este belo exemplar foi anilhado no ano de 2016 em França pelos colaboradores do Centro de Pesquisas para a Biologia das Populações de Aves (CRBPO) do Museu Nacional de História Natural em Paris e, aparentemente, escolheu o Sapal de Corroios para passar o inverno.
Fonte de inspiração para lendas, filmes de terror e contos macabros, o morcego carrega o estigma de ser considerado uma criatura malévola, ligada às artes do demo.
No entanto nada poderia estar mais errado, estes filhos da noite são bastante benéficos para o Homem pois devoram grandes quantidades de mosquitos, traças e outros insectos perniciosos. Quantas vezes, ao passar por um qualquer poste de iluminação, ouvimos uns estalidos metálicos quase imperceptíveis? Quantas vezes olhámos para cima a tempo de ver apenas uma pequena sombra fantasmagórica? Eles escondem-se nas brumas, não com a intenção de nos sugar o sangue (pelo menos a maioria das espécies) mas apenas para que possam tomar de assalto todos os apetitosos insectos que são atraídos pelas poucas luzes nocturnas.
Esta é uma das das 4 espécies de morcego-de-ferradura (género Rhinolophus) que ocorrem em Portugal e cujo nome advém do apêndice nasal em forma de ferradura.