Quando ouvimos falar em observar aves na região de Lisboa, é natural que a nossa mente viaje imediatamente para o exuberante estuário do Tejo, ou talvez para a verdejante serra de Sintra... quem sabe para as praias da linha ou até da margem sul. Ou mesmo para o Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, porque não?
Mas... e porque não fazê-lo dentro da cidade? Porque só há prédios, carros e barulho, certo? Bem, talvez não seja tão linear quanto isso...
Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca) Praça de Londres (12-10-2017) Migrador de passagem: presente de agosto a princípios de novembro
A verdade é que, prestando atenção, podemos observar aves em qualquer sítio: a voar por cima das barulhentas ruas da cidade, alimentando-se nos relvados, a saltitar nas ramagens das árvores nos passeios ou poisados nos beirais dos prédios, por exemplo.
Periquito-de-colar (Psittacula krameri) Jardim da Quinta das Conchas e dos Lilases (01-05-2018) Exótica residente: observável todo o ano
Mas o verdadeiro tesouro natural da "cidade de Ulisses" está nos seus vários parques e jardins. As aves autóctones - sejam elas residentes, invernantes, estivais ou migradoras de passagem - convivem com as coloridas exóticas que hoje pululam ruidosamente pela metrópole, proporcionando verdadeiros espectáculos de vida selvagem.
Gaio (Garrulus glandarius) Praça de Londres (11-10-2017) Residente: observável todo o ano
Um dos locais mais interessantes para observação é a zona do Parque das Nações, pois a sua localização junto ao rio Tejo permite encontrar não só as aves típicas dos jardins, como também várias espécies de limícolas e até alguns patos.
Colhereiro (Platalea leucorodia) Parque das Nações (04-02-2018) Residente: observável todo o ano
Todo este enquadramento de urbanidade cria, aos olhos do observador atento, um contraste e um aparente contra-senso... mas é sabido que a melhor estratégia de sobrevivência na natureza é a adaptação e estes animais vão tendo (felizmente) a capacidade de se adaptarem e de prosperarem no meio semi-artificial criado belo bicho-homem.
Carriça (Troglodytes troglodytes) Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian (21-03-2017) Residente: observável todo o ano
Embora qualquer parque ou jardim tenha potencial para proporcionar uma interessante experiência a este nível, existem alguns já identificados como pontos de maior interesse (os chamados hotspots), quer pelos habitats que apresentam, quer pelo número de espécies que lá podemos encontrar. O supracitado Parque das Nações é um deles, tal como o sobejamente conhecido Jardim da Gulbenkian ou mesmo o espaçoso Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases. Mas existem vários outros... Para aqueles que têm a intenção de explorar mais os meandros da ornitologia citadina, mas não sabem por onde começar, o portal Aves de Portugal disponibiliza uma página com a informação essencial acerca dos locais e espécies existentes na urbe: Aves de Lisboa.
Não há desculpas. Toca a sair de casa e ir apreciar um pouco a natureza, ainda que seja no meio da cidade.
Poupa (Upupa epops) Parque das Nações (04-02-2018) Residente: observável todo o ano
Bastas vezes confundido com uma cobra, o licranço é na verdade um lagarto desprovido de patas. Podendo crescer até aos 50cm, estes animais gozam de uma longevidade pouco comum entre os lagartos, chegando a viver até aos 30 anos.
Sendo uma espécie ovovivípara, o embrião desenvolve-se dentro de um ovo no interior do corpo da fêmea, que dá à luz crias já totalmente desenvolvidas. A sua pele composta por escamas (não sobrepostas) lisas e brilhantes valeu-lhe a alcunha de cobra-de-vidro mas, tal como nos restantes lagartos, a sua muda de pele ocorre por farrapos e não toda de uma vez. Possuem também a faculdade da autotomia, ou seja, podem perder parte da sua cauda como medida de protecção contra predadores.
Ao contrário da crença popular que deu origem ao ditado “mordedura de licranço dá sete dias sem descanso”, este bicho não possui qualquer tipo de veneno, sendo por isso perfeitamente inofensivo e até muito útil, pois alimenta-se de lagartas, lesmas e outros invertebrados que podem causar danos às culturas.
Apesar disto, o licranço continua a ser temido pelo povo e morto quase sempre que lhe alguém consegue deitar a mão. Quem sabe ainda acabe por dar origem a outro ditado: "quem não quer ser cobra, não lhe veste a pele".
Avistado com frequência nas nossas aldeias e vilas (principalmente no norte e centro do país), podemos encontrar o rabirruivo-preto também em castelos, casas de pedra, ruínas e em zonas escarpadas do litoral. Esta pequena ave insectivora é essencialmente residente mas a sua população é reforçada no outono e inverno por migradores chegados de norte.
Menos bem distribuído, o seu congénere rabirruivo-de-testa-branca é comum apenas em algumas regiões do território e, apesar de poder viver em zonas humanizadas, prefere um habitat mais florestal, como montados ou carvalhais.
Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Quinta da Marialva - Corroios (04-11-2017)
Sendo uma ave cosmopolita e por isso habituada à presença humana, é frequente que o rabirruivo-preto nidifique em buracos ou reentrâncias de casas e prédios (há vários relatos de ninhos em caixas de estores).
Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) ♂ Quinta da Marialva - Corroios (01-04-2017)
Já o seu "primo" de testa branca, embora também possa construir o seu ninho em edificações, tende a preferir buracos de árvores ou rochas.
Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Quinta da Marialva - Corroios (04-11-2017)
Até ao momento, foram registadas 54 espécies de aves neste parque urbano da Quinta da Marialva em Corroios. Algumas invernantes, outras estivais e também algumas residentes, como um casal nidificante de rabirruivos-pretos, extremamente tolerantes aos seres humanos que por ali passeiam todos os dias.
Ocorrem também amiúde alguns migradores de passagem, principalmente entre o final de agosto e meados de novembro. Encontrar uma destas aves é sempre uma agradável surpresa e foi exactamente esse o caso deste rabirruivo-de-testa-branca. Terá ido visitar os "primos"?
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Redstart cousins
Frequently spotted in portuguese villages and towns (mainly in the north and center of the country), we can also find black redstarts in castles, stone houses, ruins and cliffs at coastal areas. This small insectivorous bird is essentially resident but its population increases in the fall and winter with migrators from the north. Less well distributed, its congener common redstarter is common only in some regions of the territory and although it may live in humanized areas, it prefers a more forested habitat, such as oak and cork oak woods.
Being a cosmopolitan bird and therefore accustomed to human presence, it is common for the black redstart to nest in holes or recesses of houses and buildings (there are several reports of nests in boxes of blinds). His white-headed "cousin", though he may also build his nest in buildings, tends to prefer holes in trees or rocks.
To date, 54 bird species have been registered in this urban park of Quinta da Marialva in Corroios. Some are just wintering, some arrive in summer and there are also some residents like a nesting couple of black redstarts, extremely tolerant to the humans who walk around every day.
There are also a number of migratory passers-by, especially between late August and mid-November. Finding one of these birds is always a pleasant surprise and that is exactly the case for this common redstart. Could he be visiting his "cousins"?