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bicho do mato

Aqui fala-se de natureza, aves, bichos em geral e do que mais me passar pela cabeça

bicho do mato

Aqui fala-se de natureza, aves, bichos em geral e do que mais me passar pela cabeça

26
Mar20

Distanciamento social ou a vida selvagem

Vivemos tempos negros. Recolhimento e distanciamento social são as palavras de ordem, numa desesperada tentativa de ganhar vantagem nesta batalha contra um vilão invisível. Uma arma biológica dos americanos, dizem uns, uma estratégia económica dos chineses, alvitram outros. Há quem opine que é uma tentativa desesperada dos ambientalistas de nos ensinar uma lição, tal como há quem acredite que este não passa de mais um sistema de auto-defesa da natureza, apenas mais eficiente do que os últimos. Teorias sobre a origem desde momento geracionalmente marcante que vivemos, há para todos os gostos... podemos dar-lhes crédito ou não. Mas as consequências, essas são inolvidáveis: medo, desconfiança, incerteza, doença, morte. 

Entretanto, indiferente aos dramas humanos, a natureza seguiu o seu curso e... prosperou. Sem a agitação do movimento constante de embarcações, as águas de Veneza estão tão límpidas que permitem ver os peixes no fundo (as tão propaladas imagens de golfinhos nos canais provaram-se falsas). Com o recolhimento da população, com o abrandamento da industria e do tráfego aéreo, a mancha de poluição sobre a China diminuiu drasticamente, brutalmente mesmo...

 

Por cá, paulatinamente e quase sem que déssemos por tal, a primavera chegou e envolveu-nos em sons, cheiros e cores.

Rubi (Callophrys rubi) Santa Marta (23-03-2020).JPGRubi (Callophrys rubi) Seixal (23-03-2020)

 

Enquanto na natureza mais um ciclo se completa e outro se inicia, uma nova e estranha realidade apanhou-nos a todos mais ou menos desprevenidos e cada um de nós vai lidando com ela o melhor que pode e sabe. Pessoalmente, a decretada e óbvia necessidade de distanciamento social na verdade não trouxe grandes alterações às minhas rotinas. Apesar de gostar da companhia de um ou outro bicho-do-mato, estou habituado a andar pelos campos sozinho e até posso dizer que é algo que realmente aprecio.

Coelho-Bravo (Oryctolagus cuniculus) Santa Marta (22-03-2020) (1).JPGCoelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) Seixal (22-03-2020)

 

"Têm de ficar em casa." Se o distanciamento social não é grandemente problemático para mim, o dever de recolhimento mexe bastante com os meus processos. Com muito tempo livre e sem uma justificação válida para fazer as minhas mais extensas saídas de campo, tive que me readaptar. Com algumas excepções, é-nos permitido algum tempo no exterior para "passeios higiénicos", chamou-lhes o PM. Podemos ir caminhar, correr ou andar um pouco de bicicleta, sempre dentro daquilo a que a responsabilidade social nos obriga: devemos fazê-lo sozinhos, evitando contactos com outras pessoas.

Bufa-de-velha (Pisolithus arhizus) Santa Marta (24-03-2020) (1).JPG

Bufa-de-velha (Pisolithus arhizus) Seixal (24-03-2020)

 

Dada a conjuntura, porque não transformar uma limitação numa oportunidade? Sem poder sair para sítios mais atractivos ao nível de observação da natureza, desafiei-me a mim próprio a fazer um reconhecimento mais aprofundado da biodiversidade nas redondezas da minha "toca". 

Longicórnio (Cartallum ebulinum) Parque Luso (18-03-2020) (5).JPG

Longicórnio (Cartallum ebulinum) Seixal (18-03-2020)

 

Passeios higiénicos ao meu estilo... a ver bichos. Estas breves saídas de um par de horas, num raio de uns 300 metros de casa, têm-me vindo a trazer encontros expectáveis e até a proporcionar algumas agradáveis surpresas. 

Almirante-vermelho (Vanessa atalanta) Santa Marta (22-03-2020) (2).JPGAlmirante-vermelho (Vanessa atalanta) Seixal (22-03-2020)

 

Pequenos prados de flores coloridas albergam miríades de insectos, aranhas e outros invertebrados. Basta andar com atenção e podem observar-se criaturas de todos os tamanhos e feitios.

Y-de-prata (Autographa gamma) Santa Marta (22-03-2020) (4b).jpgY-de-prata (Autographa gamma) Seixal (22-03-2020)

 

Nas copas dos sobranceiros pinheiros de ar inóspito podem ouvir-se várias espécies de aves, empenhadas nos seus cantos primaveris de sedução... shhhh, não façam barulho, vamos tentar ver alguma. 

Milheirinha (Serinus serinus) Santa Marta (24-03-2020).JPGMilheirinha (Serinus serinus) Seixal (24-03-2020)

 

E mesmo um aparentemente vazio caminho de terra batida pode proporcionar encontros com bichos de apecto curioso.

Mosca-dos-narcisos (Merodon equestris) Santa Marta (24-03-2020) (5).JPGMosca-dos-narcisos (Merodon equestris) Seixal (24-03-2020)

 

Para termos o privilégio de assistir aos miraculosos espectáculos da natureza que se desenrolam ao nosso redor, só precisamos de andar com atenção, centrarmo-nos menos em nós próprios e não deixar que a nuvem negra que actualmente paira sobre as nossas cabeças nos impeça de apreciar o mundo que nos rodeia.

Borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon) Santa Marta (24-03-2020) (2).JPGBorboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon) Seixal (24-03-2020)

 

A atenção aos pequenos detalhes, aos sons mais ténues ou aos movimentos mais dissimulados pode recompensar-nos com visões incomuns que, transportando-nos para as fábulas da nossa infância, nos fazem imaginar mundos repletos de criaturas fantásticas.

Mariposa-fada (Micropterix ibericella) Parque Luso (17-03-2020) (3).JPGMariposa-fada (Micropterix ibericella) Seixal (17-03-2020)

 

Se até num frio e estéril bloco de cimento podemos encontrar vida e beleza, porque não haveremos de acreditar que as coisas vão melhorar, que vamos aprender com esta lição e que vamos sair disto mais fortes, mais aptos e com mais respeito por este planeta que nos acolhe?

Carochinha (Chrysolina bankii)Carochinha (Chrysolina bankii) Seixal (24-03-2020)

 

Olhamos lá para fora e vemos que, apesar das dificuldades (muitas delas criadas por nós), os animais adaptam-se, sobrevivem, prosperam, procriam. Sigamos o exemplo, temos muito a aprender com eles...  

Gorgulho (Lixus pulverulentus) Marialva (15-03-2020) (4).JPGGorgulho (Lixus pulverulentus) Seixal (15-03-2020)

 

Enquanto pudermos vamos fazendo as actividades que nos permitem manter a sanidade mental, mas vamos ser cívicos, vamos evitar o contacto uns com os outros, vamos adoptar as recomendações que nos são transmitidas e vamos ganhar esta guerra. 

Se há lição que a primavera nos traz é que, independentemente do rigor dos invernos, o sol volta sempre a brilhar e  toda a vida se renova.

Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) Santa Marta (23-03-2020) (9).JPGRabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) Seixal (23-03-2020)

02
Mar20

Uma andorinha não faz a primavera

A origem do ditado que dá nome a este 'poste' - em latim "una hirundo non facit ver" - remonta a Aristóteles (348 a.C. - 322 a.C.) e tem como base uma simples, mas importante lição de vida: nunca devemos tomar o todo por uma das suas partes.

No que diz respeito às andorinhas, é óbvio que a observação de uma destas pequenas aves em janeiro ou fevereiro não significa que chegou a estação das flores. Mas... e se observarmos várias? Não é suposto chegarem apenas na primavera? "São as alterações climáticas", é a resposta mais provável nos dia que correm. A verdade é que, independentemente da ocorrência destas alterações, é normal que as andorinhas comecem a chegar em janeiro. Algumas espécies até passam todo o inverno por cá, em certas regiões do país. 

Mas, afinal as andorinhas não são todas iguais? Que espécies ocorrem em Portugal?

 

Andorinha-dáurica (Cecropis daurica) Cercal do Alentejo (25-03-2016) (3).JPGAndorinha-dáurica (Cecropis daurica) Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém (25-03-2016)

Em expansão desde há uns anos, a bonita andorinha-daurica tem-se tornado cada vez mais comum no nosso país, sendo geralmente observada por cá entre março e outubro. Nidifica principalmente debaixo de pontes e viadutos, construindo o ninho em forma de taça fechada, com um longo túnel de acesso. As partes inferiores e o uropígio de cor arruivada permitem distingui-la com alguma facilidade das restantes andorinhas.

 

Andorinha-das-barreiras (Riparia riparia) Corroios (03-04-2017) (12).JPGAndorinha-das-barreiras (Riparia riparia) Corroios, Seixal (03-04-2017)

Tal como o seu nome indicia, as andorinhas-das-barreiras constroem as suas colónias de nidificação em barreiras arenosas, onde escavam os pequenos buracos que lhes vão servir de ninho. Castanha nas partes superiores, apresenta o ventre e garganta de um branco sujo, com uma banda castanha a atravessar o peito. Podem ser observadas geralmente desde meados de fevereiro até setembro, altura em que migram para regiões mais austrais. 

 

Andorinha-das-Chaminés (Hirundo rustica) Marialva (01-04-2017).JPGAndorinha-das-Chaminés (Hirundo rustica) Corroios, Seixal (01-04-2017)

Esta é uma das espécies de andorinhas mais comuns em Portugal e provavelmente a mais emblemática. Sendo uma ave bastante urbana, é natural que seja também uma das mais facilmente reconhecíveis, com a sua barriga clara, a mancha avermelhada na garganta e a sua típica "cauda de andorinha" com as longas rectrizes externas. Os seus ninhos em forma de taça aberta, podem ser avistados isolados ou em pequenas colónias nas fachadas dos nossos prédios e casas, permitindo-nos muitas vezes observar os rituais diários da criação dos pequenos juvenis. A andorinha-das-chaminés é das primeiras aves estivais a regressar ao nosso país - sendo geralmente possível observar os primeiros indivíduos logo no início de janeiro - regressando a África nos finais de outubro. 

 

Andorinha-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris) Alegrete (08-06-2019) (5).JPGAndorinha-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris) Alegrete, Portalegre (08-06-2019)

Sem ser abundante a nível nacional, a andorinha-das-rochas é bastante mais comum no interior do país, na época de nidificação. Chegado o inverno, é também possível encontrar dormitórios de várias dezenas de indivíduos nalgumas falésias costeiras e até em edifícios, na metade sul do território. É totalmente castanha, com um tom mais claro na zona inferior do corpo. Apresenta uma cauda quadrada que, quando aberta, revela algumas pintas brancas conspícuas.

Os seus ninhos encontram-se geralmente isolados ou em colónias de pequenas dimensões e apresentam um formato de taça aberta, semelhante aos das andorinhas-das-chaminés, mas são construídos em anfractuosidades rochosas. Em certas regiões, é possível observá-las a nidificar também em zonas urbanas, sob as varandas das edificações.

 

Andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) Parque Bem-saúde (13-05-2017) (2).JPGAndorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) Parque Bem-saúde, Lisboa (13-05-2017)

É a mais urbana das nossas andorinhas. A distribuição da andorinha-dos-beirais abrange a maioria do território, com especial incidência nas zonas de maior ocupação humana. Tem a cauda ligeiramente bifurcada, o dorso e asas escuros e a zona inferior totalmente branca (o que, em algumas regiões, lhe granjeou o nome de papalvo). Geralmente forma colónias de nidificação que podem atingir dimensões bastante consideráveis, construindo estruturas que podem chegar a ter vários níveis de ninhos. Estes ninhos apresentam um formato de taça fechada, apenas com um pequeno buraco como entrada. O maior número de efectivos chega a partir de fevereiro e permanecem no nosso território até finais do verão, altura em que é possível observar bandos de grandes dimensões, quando se preparam para migrar. 

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A chamada 'sabedoria popular' é desenvolvida e propagada entre gerações numa base de conhecimento empírico, reconhecendo-se-lhe quase sempre um fundo de verdade subjacente. Ainda assim, é a visão científica que tantas vezes vem trazer luz sobre as situações descritas nos provérbios, explicando a sua  razão de ser. E, embora a ciência já tenha negado por completo alguns destes ditados, tal facto não invalida todo o restante conhecimento popular... afinal, "não é por morrer uma andorinha que acaba a primavera".

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