A dança é uma das mais importantes e antigas formas de expressão artística da humanidade. Através de movimento dos nossos corpos conseguimos expressar dor, alegria, medo, sensualidade, altivez... existem danças cerimoniais, competitivas, desportivas, lúdicas, variando consoante a cultura dos povos. É, no entanto, desconhecida a sua origem, sabendo-se apenas que é pelo menos tão antiga quanto a história. Como terá surgido?
Será possível que a arte tenha, uma vez mais, imitado a natureza? É sabido que as suas formas, os seus sons, cores, cheiros e movimentos sempre inspiraram o Homem. Mas os animais não dançam, pois não? Bem, talvez dependa um pouco do conceito de cada um...
Será a espectacular parada nupcial da águia-calva um tango a dois nos céus, carregado de emoção e drama? Será o espectáculo proporcionado pelos Flamingos dos Andes, o equivalente às coreografias de grupo numa discoteca? A vistosa exibição de corte do macho de abetarda poderá ter um paralelo no bêbado lá da aldeia, que dança apaixonadamente com a "mine" na mão? Farão os albatroses competições de hip-hop? E o pavão dançará a "Senbu", qual gueixa agitando o seu leque em honra à deusa Amaterasu?
Como sempre, tenho mais perguntas que respostas... mas como impedir que a mente divague, face a uma cena como esta, em que quase conseguimos ouvir as notas sensuais da música de fundo e em que a ave parece claramente dizer: "A menina dança?"
Íbis-preta (Plegadis falcinellus) Lezíria Grande - VFX (10-12-2016)
Apanhar aves para as colocar numa gaiola é um hábito ainda muito enraizado nas zonas mais rurais do nosso país. Fazemo-lo com pequenos passarinhos cujo canto nos deslumbra, mas também com outras aves que queremos ter puramente como ornamento, ou apenas porque... sim. Já o vi acontecer com pintassilgos, tentilhões, verdilhões, milheirinhas, rapinas, patos, perdizes, codornizes. Apesar de ser coisa que hoje me parece impensável e desprovida de qualquer lógica ou razão, em tempos eu próprio já pratiquei estes actos...
Fizemo-lo a nós próprios, ao enfiarmo-nos em pequenas caixas de betão, aço e vidro e queremos fazê-lo a todas as outras espécies. Gaiolas, viveiros, cercados... barreiras atrás de barreiras, grades e mais grades... Porquê tentar cercear a liberdade de um ser selvagem, porquê desejar olhar para uma ave engaiolada, quando podemos ir até elas, quando é tão maior o gozo de as ver em liberdade, a interagirem com o seu meio?
Definitivamente, na sua incompreensível ignorância, o ser humano não consegue interiorizar que, atrás das grades, até a maior das belezas entristece, definha e morre...
Nas praias da frente atlântica de Almada, todos os anos estivam milhares de turistas, vindos um pouco de todo mundo. Atraídos pelo clima ameno e pelos extensos areais do concelho, alguns são veraneantes regulares, outros visitam esta zona pela primeira (e possivelmente única) vez. Nos meses de verão, tudo o que vemos entre a Cova do Vapor e a Fonte da Telha é um mar de mamíferos estendidos na areia. Até as pequenas praias escondidas, já banhadas pelas águas do rio Tejo, são invadidas por estes bípedes ávidos de sol e sal.
Borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) Praia do 2º Torrão (20-04-2017)
Finda a época balnear, os mamíferos começam paulatinamente a dar lugar às aves nas praias da Caparica. Desaparecem as lontras esticadas ao sol desde manhã até à noite, reduz-se a quantidade de lixo espalhado no areal, vai-se o barulho dos gritos em "francês aportuguesado", desaparecem as bolas de Berlim... permanecem os surfistas, um ou outro "runner", os passeadores de canídeos e o ocasional pescador.
Aparentemente sem se deixarem incomodar demasiado por estes poucos bípedes não-emplumados, aos poucos vão surgindo os borrelhos-de-coleira-interrompida, que nunca abandonaram as praias e que agora podem voltar a mostrar-se sem receios. A eles em breve se juntarão os simpáticos pilritos-das-praias, as rolas-do-mar, o ocasional pilrito-comum ou até uma tarambola, a descansar um pouco antes de seguir viagem. Nesta altura de transição, em que as aves estão em migração para sul, não é impossível ver por ali maçaricos-galegos, fuselos, borrelhos-grandes-de-coleira e uma ou outra seixoeira. Com sorte vislumbramos um vistoso ostraceiro ou mesmo os incomuns pilritos-escuros, que parecem ter tomado o gosto às praias da margem sul.
Ostraceiro (Haematopus ostralegus) Cova do Vapor (25-12-2020)Seixoeira (Calidris canutus) Cova do Vapor (07-09-2017)Pilrito-das-praias (Calidris alba) Cova do Vapor (28-01-2016)Pilrito-escuro (Calidris maritima) Cova do Vapor (28-01-2016)Rola-do-mar (Arenaria interpres) Cova do Vapor (25-11-2016)Borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula) Cova do Vapor (10-10-2016)Fuselo (Limosa lapponica) Praia do 2º Torrão (08-09-2016)Perna-vermelha-comum (Tringa totanus) Praia do 2º Torrão (14-05-2016)Maçarico-galego (Numenius phaeopus) Praia do 2º Torrão (11-05-2016)Pilrito-comum (Calidris alpina) Cova do vapor (10-05-2016)
Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola) Cova do Vapor (24-12-2020)Tarambola-dourada (Pluvialis apricaria) Cova do Vapor (14-10-2018)
A partir desta altura dá-se também o regresso das gaivotas-d'asa-escura, vão começando a aparecer os poucos gaivotões-reais que por ali invernam e, quem sabe, até podemos ver uma gaivota-prateada a dar um arzinho da sua graça. Várias outras espécies de gaivotas passam pelas praias de Almada, algumas bastante comuns, outras nem tanto assim. As aves pelágicas começam a surgir e quem sabe tenhamos o privilégio de ver um bando de negrolas (ou patos-pretos) em passagem, voando rente ao mar, ou até mesmo um alcatraz a pescar, deixando-se cair das alturas...
Gaivotão-real (Larus marinus) Fonte da Telha (23-11-2019)
Gaivota-de-cabeça-preta (Ichthyaetus melanocephalus) Cova do Vapor (03-10-2020)Gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis) Trafaria (28-12-2019)Gaivotão-branco (Larus hyperboreus) Costa da Caparica (28-12-2019)Alcatraz (Morus bassanus) Cova do Vapor (02-11-2019)Gaivota-d'asa-escura (Larus fuscus) Fonte da Telha (25-10-2018)Gaivota-de-Audouin (Ichthyaetus audouinii) Cova do Vapor (07-09-2017)Corvo-marinho (Phalacrocorax carbo) Trafaria (28-01-2016)Gaivota-prateada (Larus argentatus) Trafaria (19-11-2016)
Negrola (Melanitta nigra) Cova do Vapor (19-11-2016)Garajau-comum (Sterna sandvicensis) Praia do 2º Torrão (09-05-2016)
Estas, entre outras aves invernantes, residentes ou de passagem, sejam elas regulares, mais acidentais ou até raras, vão compondo a avifauna da frente marítima de Almada e vão fazendo o regalo dos observadores da região (e de outros que por lá apareçam).
Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe) Cova do Vapor (10-10-2016)
Estorninho-preto (Sturnus unicolor) Cova do Vapor (27-12-2020)Alvéola-branca (Motacilla alba) Cova do Vapor (07-11-2020)Guarda-rios (Alcedo atthis) Praia do 2º Torrão (16-08-2016)Gralha-preta (Corvus corone) Cova do vapor (19-07-2016)Falcão-peregrino (Falco peregrinus) Praia do 2º Torrão (12-05-2016)Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus) Costa da Caparica (18-02-2016)
Menos sol, menos calor, menos pessoas, menos barulho, menos lixo e confusão... mais natureza. Agora sim, a vida regressou à Costa.