Um habitat pode ser composto por um conjunto de diferentes biótopos, que não são mais do que áreas geográficas onde as condições ambientais são constantes ou cíclicas. Na verdade, grande parte dos habitats que existem no nosso país estão sujeitos a fenómenos periódicos que, de alguma forma, alteram as suas características.
Entre eles, as zonas intermarés serão, possivelmente, aqueles que apresentam a mais radical alteração de condições, num menor ciclo temporal. Margens ribeirinhas, praias, lagoas costeiras, sapais... consoante a geografia e geologia do terreno, as áreas deixadas a descoberto pela baixa-mar podem apresentar características muito diferentes. No entanto, há algo em comum em todos estes locais: o vai-e-vem regular das marés e o ritmo de vida que elas impõem às aves que ali se alimentam. Hoje vamos falar de um biótopo muito específico: as zonas de lodo.
Pisco-de-peito-azul (Luscinia svecica) Herdade da Gâmbia, Setúbal (25-01-2020)
Quando a maré retrocede, revelando paulatinamente os lodos repletos de pedaços de conchas e algas, as aves começam a mostrar-se, abandonando os locais onde repousam durante a preia-mar.
Fuselo (Limosa lapponica) Seixal (11-10-2020)
Milherango (Limosa limosa) Lisboa (29-01-2016)
Surgem vindas das salinas circundantes, dos pequenos mouchões dos sapais ou da vegetação marginal dos rios e começam a distribuir-se pelas margens crescentes onde se vão alimentar, acompanhando o refluxo das águas.
Várias espécies de límicolas percorrem os lodos húmidos em busca dos pequenos invertebrados dos quais se alimentam, chegando até a dar origem a bandos mistos com centenas ou mesmo milhares de indivíduos. Garças prospectam as águas rasas em busca de peixes incautos, flamingos filtram o lodo dentro de água, capturando os pequenos crustáceos que lhes dão a sua famosa cor, colhereiros "varrem" em busca de invertebrados e pequenos peixes. Podemos até encontrar passeriformes, como o pisco-de-peito-azul, nas zonas mais próximas da vegetação.
A questão da competição pelo alimento entre estas aves foi resolvida ao longo das eras, pela selecção natural. A diversidade de características físicas e comportamentais permite que coexistam num mesmo espaço.
Algumas possuem bicos longos, para procurar alimento que esteja enterrado mais fundo, outras têm bicos curtos para capturar pequenos animais que existem mais à superfície. Há as que têm patas mais longas e bicos como lanças afiadas, para poderem trespassar os peixes nas águas rasas e há os que desenvolveram bicos poderosos o suficiente para quebrar as cascas dos bivalves. Cada espécie está perfeitamente adaptada à forma como vive e se alimenta.
Maçarico-bique-bique (Tringa ochropus) Vila Franca de Xira (28-02-2016)Rola-do-mar (Arenaria interpres) Amora (28-01-2016)
Embora as espécies límicolas estejam geralmente em larga maioria, podemos também ali encontrar algumas gaivotas, rapinas, garças, patos e gansos.
Ganso-bravo (Anser anser) Vila Franca de Xira (05-11-2017)Marrequinha (Anas crecca) Vila Franca de Xira (10-04-2016)
E de vez em quando, muito de vez em quando, surge uma daquelas aves especiais que todos os observadores gostam de encontrar. Uma raridade vinda de paragens longínquas que encontrou abrigo num qualquer lodaçal deste recanto à beira-mar plantado. Como aquela garça americana que descobriu guarida numa vala algures num sapal algarvio, ou o pequeno maçarico que escolheu o rio Sado para passar o inverno, por exemplo.
Uma multiplicidade de formas, cores, sons e comportamentos... nestas zonas de aspecto escuro e monótono, mas ricas em alimento, a diversidade biológica é rainha. No entanto, passadas cerca de 6 horas, a maré virou e iniciou o seu avanço inexorável em direcção às margens, empurrando à sua frente esta miríade de aves que novamente ganharão os céus e se dirigirão aos seus locais de repouso. Mais um ciclo que se completa, numa dança interminável, ao ritmo das marés.
A noite sempre foi palco preferencial para lendas e histórias assustadoras. As criaturas que nela vagueiam ainda hoje permanecem, aos nossos olhos, envoltas numa névoa de temor e mistério. Tememos irracionalmente o piar do mocho ou o silvar da coruja-das-torres, sobressaltamo-nos instintivamente com o repentino e silencioso bater de asas do morcego, enojamo-nos com a rastejante salamandra...
Até as borboletas, cujas versões diurnas nos deliciam com as suas cores e delicadeza, ganham uma conotação negativa quando vivem a coberto das trevas. "Traças", chamam-lhes alguns, com um esgar de desprezo.
Mariposa (Lythria sanguinaria) Lagoa de Albufeira, Sesimbra (19-05-2020)
Na verdade, o nome mais correcto a atribuir a estas borboletas noctívagas é o de "mariposas". A designação de "traças" deriva das espécies cujas larvas se alimentam do tecido das nossas roupas... mas, em Portugal, são pouquíssimas as espécies em que isto acontece (talvez meia dúzia), ao passo que as restantes borboletas nocturnas compreendem cerca de 2600 espécies. Ainda assim, provavelmente a sua má reputação deriva do facto de serem bichos pouco coloridos e de aspecto mais soturno, não é?
Mariposa (Acontia lucida) Seixal (03-06-2020)Mariposa (Cleta ramosaria) Cabo Espichel, Sesimbra (19-05-2020)Sangrenta-da-tasna (Tyria jacobaeae) Cercal do Alentejo (17-05-2020)Mariposa (Opisthograptis luteolata) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Mariposa-estriada (Spiris striata) Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, Sesimbra (21-08-2019)Mariposa-pluma (Crombrugghia laetus) Mata dos Medos, Almada (13-07-2019)
Não, nem por isso. As mariposas são tão ou mais coloridas do que as borboletas diurnas e são muito mais diversas no seu formato. De facto, entre cores pastel e outras mais garridas, estes animais surpreendem pela fantástica variedade de fenótipos que apresentam.
Talvez como meio de camuflagem, talvez com outro propósito evolucionário que escapa aos meus conhecimentos, a verdade é que esta multiplicidade de formas deu origem a animais lindíssimos que merecem ser observados com atenção.
Mariposa (Euchromius sp.) Pancas, Benavente (28-07-2020)Mariposa (Alucita grammodactyla) Lagoa de Albufeira (19-05-2020)Mariposa (Rhodometra sacraria) Seixal (24-04-2020)Mariposa (Coscinia chrysocephala) Seixal (23-04-2020)Mariposa (Gymnoscelis rufifasciata) Oliveira de Azeméis (14-09-2019)Mariposa (Scopula imitaria) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Mariposa (Cyclophora linearia) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Mariposa (Dysgonia algira) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa) Seixal (01-09-2019)Mariposa (Itame vincularia) Quinta do Texugo, Almada (25-08-2019)Mariposa (Mormo maura) Cercal do Alentejo (11-08-2019)Mariposa (Timandra comae) Cercal do Alentejo (11-08-2019)Mariposa-Cigana (Lymantria dispar) Mata da Machada, Barreiro (13-07-2019)Mariposa (Zygaena trifolii) Zambujeira do Mar, Odemira (01-06-2019)Mariposa (Zygaena lavandulae) V.N. Milfontes (19-04-2019)Mariposa (Macrothylacia digramma) Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, Sesimbra (13-04-2019)Mariposa (Eupithecia centaureata) Seixal (11-04-2020)Mariposa (Menophra abruptaria) Oliveira de Azeméis (14-09-2019)
Até as suas lagartas são geralmente vistosas e extravagantes, embora algumas sejam tóxicas e perigosas para Homem e animais.
Mariposa-dos-sargaços (Psilogaster loti) Peninha, Sintra (29-09-2020)Mariposa (Ethmia bipunctella) Serra do Louro, Palmela (30-06-2020)Processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa) Quinta do Texugo (16-02-2020)Processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa) Herdade da Aroeira, Almada (02-02-2020)
Pela sua ajuda no controlo de algumas plantas, pela sua contribuição para as cadeias tróficas, pelo seu importante lugar nos ecossistemas, pela sua beleza, estes pequenos bichos nocturnos merecem ser protegidos, acarinhados e apreciados. Afinal de contas, a noite não esconde apenas mistérios sombrios...
CENSO NACIONAL DE PERIQUITO-DE-COLAR (Psittacula krameri)
"O periquito-de-colar ou periquito-rabijunco (Psittacula krameri) é uma espécie originária dos continentes asiático e africano, mas que ocorre atualmente em inúmeras cidades do continente europeu. Estas populações, com origem provável em fugas de cativeiro, encontraram alimento, refúgio e locais adequados para nidificar nas áreas verdes dos grandes centros urbanos. Esta espécie exótica possui algumas das características típicas das espécies invasoras (boa capacidade de adaptação, reprodução rápida, agressividade) e nalguns locais onde já está estabelecida pode mesmo afetar as espécies nativas, ao competir por alimento ou locais de nidificação. É uma espécie gregária e muito social, que nidifica em buracos de árvores e que usa de forma regular dormitórios comunais, que podem reunir desde algumas aves até muitas centenas de indivíduos. De forma relativamente previsível, as aves tendem a retornar ao seu dormitório ao final do dia. Assim, a contagem nos dormitórios é o método habitual de censo da espécie."
Periquito-de-colar (Psittacula krameri) Quinta das Conchas - Lisboa (01-05-2018)
Como o conhecimento é o primeiro passo para a conservação, a SPEA vai realizar um censo destas aves, para que possamos ter a real noção do estado das suas populações e do risco a que estas possam estar a submeter as nossas espécies autóctones.
Vou ser coordenador regional voluntário para os concelhos de Almada e Seixal, portanto, caso queiram participar (em qualquer ponto do país) e tenham dúvidas de como o fazer, estejam à vontade para me questionar através da caixa de comentários ou por e-mail. Terei todo o gosto em esclarecer ou encaminhar as vossas questões.
Enquanto os humanos estavam fechados em casa, a sentir os efeitos da pandemia, a natureza lá fora seguia os seus timmings... a primavera chegou em força, os bichos saíram dos seus confinamentos invernantes e as feromonas libertaram-se no ar.
Primavera. É nesta altura do ano que grande parte dos animais se dedica a cumprir o seu maior propósito de vida: a propagação da espécie. Quaisquer locais, sejam eles matos, árvores, flores, ervas, caminhos, pedras ou até o próprio ar, podem ser palco de "tórridas" cenas de acasalamento que fariam corar a maioria dos humanos.
Todo este espectáculo natural pode ser apreciado por qualquer pessoa que vá dar um passeio no campo ou até num qualquer parque ou jardim urbano, pois o pudor e a vergonha são construções sociais exclusivas da Humanidade que, ao longo do tempo, têm moldado a nossa percepção de um tema central na vida da maioria dos animais: o sexo. Tema este que tem sido alvo de livros, poemas, filmes, perseguições, tabus e até atrocidades. No entanto, é algo tão natural e essencial como respirar ou comer. Afinal... até os bichinhos gostam.
Os invertebrados são dos animais menos conhecidos do público em geral. Embora estejamos constantemente rodeados deles, o seu tamanho e os seus hábitos fazem com que tantas vezes nem reparemos na sua presença.
Tecedeira-de-cruz-cosmopolita (Araneus diadematus) Oliveira de Azeméis (14-09-2019)
Quando os descobrimos por perto, a nossa reacção automática é de matá-los, ignorando os grandes serviços que nos prestam, seja como polinizadores (e.g. abelhas e moscas) ou como controladores de pragas (e.g. aranhas e joaninhas). Como infelizmente tememos aquilo que não conhecemos bem, os insectos e aranhas tendem a gerar em nós reacções de medo e repulsa.
Aranha-lince (Oxyopes lineatus) Serra de S. Mamede (08-06-2019)
Mas... as aranhas não são insectos?
Não. Os insetos (classe Insecta) têm o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen. Possuem três pares de patas, apresentam um par de antenas e têm um desenvolvimento indireto. Já os aracnídeos (classe Arachnida) apresentam o corpo dividido em duas partes: abdómen e cefalotórax. Possuem quatro pares de patas, quelíceras, não apresentam antenas e podem ter um desenvolvimento direto ou indireto.
Aranha-de-funil (Eratigena sp.) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Aranha-lobo-radiada (Hogna radiata) Cercal do Alentejo (12-08-2019)
Como é que estas exímias predadoras caçam? Bem, existem variadas técnicas nas quais cada espécie se especializa. Algumas tecem teias extremamente resistentes e impregnadas de uma substância adesiva em locais estratégicos, aguardando que algum insecto lá caia. Assim que tal acontece, atacam de forma fulminante, injectando-lhe veneno e embrulhando-o em seda para ser depois consumido. Outras espécies perseguem activamente as suas presas, muitas vezes saltando para as capturar. Há também aquelas que fazem emboscadas escondidas em fendas, buracos ou até mesmo camufladas nas flores das quais os insectos se alimentam.
Após capturarem as suas presas, as aranhas expelem um fluido digestivo para cima das mesmas começando assim o processo de digestão ainda fora do seu organismo. Após triturarem os pequenos animais com as quelíceras, reabsorvem os fluidos libertados, juntamente com a "carne". Deste processo sobra apenas uma pequena bola de resíduos, contendo as partes da quitina que a aranha é incapaz de digerir. Algumas espécies, como as aranhas caranguejo, injectam os fluidos digestivos no interior corpo das suas presas que são dissolvidas por dentro e sugadas de forma a que apenas resta uma carapaça vazia, ainda com a forma original do insecto.
As suas oito patas, o seu abdómen proeminente, os seus olhos (a maioria das aranhas tem quatro pares de olhos), os seus hábitos e até a forma como se movem constroem um aspecto geral repulsivo aos nossos olhos. Ainda assim, se conseguirmos observá-las de perto, podemos constatar que têm uma beleza muito própria, com formatos exóticos, cores garridas e padrões muito diversos consoante as espécies (e até por vezes com bastante variação individual).
Aranha-caranguejo-de-Napoleão (Synema globosum) Santiago do Cacém (09-08-2019)Solífugo ou Aranha-camelo (Gluvia dorsalis) Segura, Idanha-a-nova (17-06-2017)
Enquanto espécie, temos evoluído no sentido de tentarmos viver em ambientes cada vez mais estéreis, sem a presença de outros seres ao nosso redor. Esta tentativa pseudo-divina de nos distanciarmos fisicamente dos restantes animais resulta bastas vezes em autênticas barbaridades... por medo irracional destruímos criaturas que nos são inofensivas e úteis. Acarinhem as vossas aranhas, bem como as osgas, cobras e outros bichos que vos assustam, pois muitas vezes são eles quem nos protege de ameaças bem mais reais...
Este é o animal geralmente associado à presente época festiva. Segundo a mitologia alemã, a deusa da fertilidade Ostera devolveu à sua forma original um pássaro que havia transformado em coelho, para diversão de algumas crianças. Ao ver-se novamente na sua forma emplumada, a ave pôs alguns ovos coloridos à laia de agradecimento, dando origem à tradição do coelho e dos ovos da Páscoa. É uma das teorias...
Entretanto, por cá e sem qualquer ligação a deusas ou a ovos enfeitados, evoluía uma espécie que viria a ganhar importância-chave nos ecossistemas mediterrânicos: o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus). Este pequeno e ágil herbívoro é presa preferencial de diversos predadores, entre eles o icónico lince-ibérico (Lynx pardinus), a "manhosa" raposa-vermelha (Vulpes vulpes) e a ameaçada águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti).
Hoje em dia, apesar da preferência por habitats de orla, em terrenos arenosos com interligação entre culturas, prados e zonas de mato denso, não é incomum que os vejamos num qualquer parque urbano, a fugir ziguezagueando como se estivessem indecisos acerca de qual o melhor caminho a tomar.
As suas tocas de habitação são profundas com várias entradas e galerias entrecruzadas, ao passo que as suas tocas de reprodução - também elas profundas - se limitam a uma galeria simples que é abandonada quando as crias atingem as 3 semanas de idade.
Coelho-Bravo (Oryctolagus cuniculus) Herdade de Pancas (21-01-2018)
Devido aos seus hábitos mais crepusculares, a uma excelente visão, a uma audição apurada e a uma grande capacidade de reprodução, o coelho-bravo prosperou na Europa (principalmente P.I. e França) - chegando mesmo a ser extremamente abundante na Península Ibérica - até início dos anos 50, altura em que um médico francês resolveu introduzir ilegalmente um vírus importado da América do Sul, para eliminar os coelhos que danificavam as suas culturas. A mixomatose, doença causada por este vírus, espalhou-se rapidamente e foi arrasadora, chegando a causar a perda de populações inteiras. Em meados dos anos 80 e através de coelhos domésticos importados da Ásia, chegou à Europa a doença hemorrágica viral, que viria a dar mais uma forte machadada na sustentabilidade da espécie. Nos últimos anos o número de efectivos diminuiu cerca de 70%...
Neste momento decorrem estudos e delineiam-se estratégias para tentar garantir a sobrevivência desta importante peça para os nossos ecossistemas e para algumas economias locais.
Hoje existem por cá também coelhos domésticos, criados para alimentação humana e coelhos exóticos, mantidos como animais de estimação. Uns são maiores, outros mais pequeninos, alguns têm olhos vermelhos, outros são mais felpudos, mais mansos, mais "fofinhos", mais bonitos...
Pode parecer simples e não ter a beleza ou a exuberância de outros, mas só o Coelho-bravo é livre e indómito... só ele carrega o carisma de um verdadeiro bicho do mato.
A origem do ditado que dá nome a este 'poste' - em latim "una hirundo non facit ver" - remonta a Aristóteles (348 a.C. - 322 a.C.) e tem como base uma simples, mas importante lição de vida: nunca devemos tomar o todo por uma das suas partes.
No que diz respeito às andorinhas, é óbvio que a observação de uma destas pequenas aves em janeiro ou fevereiro não significa que chegou a estação das flores. Mas... e se observarmos várias? Não é suposto chegarem apenas na primavera? "São as alterações climáticas", é a resposta mais provável nos dia que correm. A verdade é que, independentemente da ocorrência destas alterações, é normal que as andorinhas comecem a chegar em janeiro. Algumas espécies até passam todo o inverno por cá, em certas regiões do país.
Mas, afinal as andorinhas não são todas iguais? Que espécies ocorrem em Portugal?
Andorinha-dáurica (Cecropis daurica) Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém (25-03-2016)
Em expansão desde há uns anos, a bonita andorinha-daurica tem-se tornado cada vez mais comum no nosso país, sendo geralmente observada por cá entre março e outubro. Nidifica principalmente debaixo de pontes e viadutos, construindo o ninho em forma de taça fechada, com um longo túnel de acesso. As partes inferiores e o uropígio de cor arruivada permitem distingui-la com alguma facilidade das restantes andorinhas.
Tal como o seu nome indicia, as andorinhas-das-barreiras constroem as suas colónias de nidificação em barreiras arenosas, onde escavam os pequenos buracos que lhes vão servir de ninho. Castanha nas partes superiores, apresenta o ventre e garganta de um branco sujo, com uma banda castanha a atravessar o peito. Podem ser observadas geralmente desde meados de fevereiro até setembro, altura em que migram para regiões mais austrais.
Esta é uma das espécies de andorinhas mais comuns em Portugal e provavelmente a mais emblemática. Sendo uma ave bastante urbana, é natural que seja também uma das mais facilmente reconhecíveis, com a sua barriga clara, a mancha avermelhada na garganta e a sua típica "cauda de andorinha" com as longas rectrizes externas. Os seus ninhos em forma de taça aberta, podem ser avistados isolados ou em pequenas colónias nas fachadas dos nossos prédios e casas, permitindo-nos muitas vezes observar os rituais diários da criação dos pequenos juvenis. A andorinha-das-chaminés é das primeiras aves estivais a regressar ao nosso país - sendo geralmente possível observar os primeiros indivíduos logo no início de janeiro - regressando a África nos finais de outubro.
Sem ser abundante a nível nacional, a andorinha-das-rochas é bastante mais comum no interior do país, na época de nidificação. Chegado o inverno, é também possível encontrar dormitórios de várias dezenas de indivíduos nalgumas falésias costeiras e até em edifícios, na metade sul do território. É totalmente castanha, com um tom mais claro na zona inferior do corpo. Apresenta uma cauda quadrada que, quando aberta, revela algumas pintas brancas conspícuas.
Os seus ninhos encontram-se geralmente isolados ou em colónias de pequenas dimensões e apresentam um formato de taça aberta, semelhante aos das andorinhas-das-chaminés, mas são construídos em anfractuosidades rochosas. Em certas regiões, é possível observá-las a nidificar também em zonas urbanas, sob as varandas das edificações.
É a mais urbana das nossas andorinhas. A distribuição da andorinha-dos-beirais abrange a maioria do território, com especial incidência nas zonas de maior ocupação humana. Tem a cauda ligeiramente bifurcada, o dorso e asas escuros e a zona inferior totalmente branca (o que, em algumas regiões, lhe granjeou o nome de papalvo). Geralmente forma colónias de nidificação que podem atingir dimensões bastante consideráveis, construindo estruturas que podem chegar a ter vários níveis de ninhos. Estes ninhos apresentam um formato de taça fechada, apenas com um pequeno buraco como entrada. O maior número de efectivos chega a partir de fevereiro e permanecem no nosso território até finais do verão, altura em que é possível observar bandos de grandes dimensões, quando se preparam para migrar.
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A chamada 'sabedoria popular' é desenvolvida e propagada entre gerações numa base de conhecimento empírico, reconhecendo-se-lhe quase sempre um fundo de verdade subjacente. Ainda assim, é a visão científica que tantas vezes vem trazer luz sobre as situações descritas nos provérbios, explicando a sua razão de ser. E, embora a ciência já tenha negado por completo alguns destes ditados, tal facto não invalida todo o restante conhecimento popular... afinal, "não é por morrer uma andorinha que acaba a primavera".
As sensações que obtemos do mundo ao nosso redor dependem em grande medida da forma como cada um o percepciona, pois todos temos uma relação muito própria com os nossos sentidos. Apesar de se poder dizer que são os odores que deixam as impressões mais duradouras, para a maioria das pessoas a visão é o sentido que rege a sua interacção com o meio. Como tal, mais do que aromas ou sons, são as formas intrincadas e as cores vivas que com maior facilidade conseguem atrair e dirigir a nossa atenção.
Um caso paradigmático é aquele pequeno grito de surpresa que involuntariamente se liberta da garganta ao ver passar um cintilante guarda-rios, numa exclamação de assombro e deslumbre perante a perfeição desta pintura viva.
Como é que esta ave de aspecto exótico consegue apresentar uma paleta de cores tão garrida? Bem, o laranja no peito é resultado da presença de pequenos grânulos de pigmento nas penas, mas e o azul? Aqui o caso muda de figura... o guarda-rios, tal como a maioria dos vertebrados, é incapaz de produzir pigmentação azul. Na verdade, as suas penas de tons azuis e ciano não contêm quaisquer pigmentos, são compostas por um material incolor.
Este material, estruturado de forma muito complexa, interage com a luz de forma a optimizar a reflexão do comprimento de onda do azul. Diferenças mínimas no arranjo estrutural produzem pequenas variações nos tons da cor (Wilts et al. 2011), causando um efeito de semi-iridescência, o "brilho" tão característico desta ave.
Este fenómeno, designado por "cor estrutural" tem vindo a ser estudado por equipas multidisciplinares de cientistas, numa tentativa de replicar o processo por forma a podermos dispor de materiais coloridos sem recorrer à utilização de pigmentos tóxicos.
Embora possa ser difícil imaginar como é que um material transparente consegue apresentar uma coloração tão forte aos nossos olhos, isto pode ser comparado ao efeito prismático que verificamos quando a luz branca, decomposta pelas gotas da chuva, dá origem a um arco-íris (Vignolini et al. 2012).
Entretanto, indiferentes a quaisquer considerações sobre a sua fisionomia, estes belos animais continuam a pescar nos nossos rios e lagos e a passar por nós a alta velocidade, deixando-nos enlevados, com um brilhozinho azul nos olhos...
Alegres, coloridas, perfumadas... as flores tendem a gerar em nós sensações de paz e alegria. Vemo-las como uma manifestação de beleza e deliciamo-nos com as suas cores e cheiros.
É de facto um verdadeiro prazer contemplar um campo florido num dia de primavera ou um exuberante e bem cuidado jardim, mas será que sabemos realmente o que lá se passa? Será que conhecemos a fundo o intrincado jogo de vida e morte que ali decorre?
Aranha-florícola-de-tubérculos (Thomisus onustus) Cercal do Alentejo (11-08-2019)
Num qualquer prado, entre ervas, pastos, caules, folhas e pétalas, pequenos seres pululam numa azáfama quase impercetível aos nossos olhos. Este é o reino dos invertebrados, onde presas e predadores rastejam, correm, saltam, voam, procriam, caçam, são caçados, devoram e são devorados.
Alguns destes invertebrados são conspícuos e facilmente identificáveis, pelo menos ao nível das suas classificações mais abrangentes. Afinal, toda gente sabe o que é uma borboleta...
Mas nem estas são todas iguais. Há várias espécies neste grupo, numa multiplicidade de padrões e cores capazes de rivalizar com as flores nas quais se alimentam.
E quando nos deparamos com algo que não sabemos explicar, apesar do seu aspecto peculiar e chamativo? "Mas isto... existe?!"
Neuróptero‑das‑duas-penas (Nemoptera bipennis) Mata dos Medos, Almada (07-07-2019)
Ah, a Natureza é engenhosa e supera tão facilmente a imaginação do animal humano. Talvez até tenham sido estes pequenos seres que inspiraram os criadores dos bizarros alienígenas que povoam as nossas telas de cinema...
Formiga-leão (Macronemurus appendiculatus) Quinta do Texugo, Almada (24-08-2019)
É verdadeiramente incrível a variedade de formas animais que podemos encontrar nestes campos de ervas e flores, umas capazes de nos fascinar, outras de nos causar repulsa... ou até ambas simultaneamente.
Grilo-de-sela-aldrabão (Steropleurus pseudolus) Cercal do Alentejo (11-08-2019)
Também ali podemos descobrir espécies que instintivamente nos provocam apreensão. Afinal, quase todos nós já fomos pelo menos uma vez na vida picados por uma abelha ou vespa.
Abelha (Bembix sp.) Quinta do Conde (31-08-2019)
Na verdade temos pouco a temer destas criaturas, desde que não nos aproximemos dos seus ninhos. Por muito que os seus zumbidos nos causem reacções automáticas de medo, estes insectos andam apenas em busca de alimento e não têm qualquer interesse em nós.
Abelha-carpinteira (Xylocopa violacea) Praia do 2º Torrão, Almada (02-07-2019)
Extremamente importantes para o processo de polinização, estes bichos trazem também um factor extra de beleza aos nossos campos, assim tenhamos a "coragem" de os observar com atenção. Até porque alguns deles não são o que parecem...
Mosca-das-flores (Volucella elegans) Santiago do Cacém (09-08-2019)
O seu zumbido, as suas cores e o seu voo aparentemente errático fazem com que tantas vezes sejam confundidas com abelhas ou vespas, mas as moscas das flores são na verdade animais inofensivos que se alimentam de néctar.
Mosca-das-flores (Sphaerophoria scripta) Parque Urbano da Quinta da Marialva, Corroios (21-07-2019)
É verdade... existem várias espécies de moscas, de tamanho, coloração e formato variáveis. A nossa concepção da mosca doméstica fica muito aquém da realidade deste grupo de insectos.
Mosca (Exoprosopa jacchus) Mata dos Medos (13-07-2019)
Mesmo noutros grupos como os coleópteros (escaravelhos), a variedade é tremenda... há pequenos e grandes, redondos e oblongos, coloridos e farruscos.
Escaravelho-florícola (Anthoplia floricola) Barragem de Póvoa e Meadas, Castelo de Vide (08-06-2019)
Fica uma sugestão: da próxima vez que forem a um jardim ou passear no campo, sentem-se algum tempo a observar atentamente um conjunto de flores. Vão ter uma surpresa...
É verdade que dá nas vistas e que impressiona... provavelmente chega mais fundo e quem sabe até o ajude a conseguir comer o que os outros não conseguem. Será correcto, no entanto, afirmar que o sucesso evolutivo desta ave pode depender de ter um grande bico?
O maçarico-real apresenta um enorme e arqueado bico, com o qual se alimenta nos lodos das zonas inter-marés nos estuários. Embora seja sabido que a sua dieta consiste essencialmente de invertebrados, esta ainda está por estudar no nosso país (Catry et al. 2010). No entanto, outra ave muito semelhante coexiste nestes habitats estuarinos. O maçarico-galego é ligeiramente mais pequeno, tem as patas um pouco mais curtas e um bico menor, com uma curvatura um pouco diferente. Se os habitats são os mesmos, se a alimentação é bastante semelhante, qual terá sido o processo de especiação que levou ao crescimento do bico do maçarico-real? Porque terão os fenótipos destas duas aves do mesmo género divergido ao longo do tempo?
Maçarico-galego (Numenius phaeopus) Baixa da Banheira, Moita (24-04-2016)
Será que o facto do N. arquata possuir um bico tão comprido representa uma vantagem relativamente aos seus "primos" N. phaeopus de bico mais curto? Aparentemente não, pois estes últimos são também bastante comuns no nosso país...
Talvez a importância do tamanho das coisas seja uma concepção humana pouco relevante na natureza, onde o que conta é a eficiência no cumprimento da função e não a sua imponência visual. Por outro lado temos exemplos como as hastes dos cervídeos... casos onde claramente o tamanho é um argumento importante para o sucesso dos indivíduos. Talvez nem a mãe natureza tenha uma resposta cabal para a eterna questão: Será que o tamanho é realmente importante?