O concelho do Seixal tem alguns locais com excelentes condições para a Observação de Natureza, principalmente ao nível da avifauna. Desde que tomei residência no concelho, tenho vindo a explorar alguns destes locais com o intuito de ir registando e inventariando a biodiversidade que por aqui encontro. O resultado dos meus esforços, bem como dos esforços de muitas outras pessoas, pode ser verificado num projecto na plataforma iNaturalist, que já conta com mais de 8000 observações de 1344 espécies, registadas por mais de 150 observadores:
Santa Marta do Pinhal pertence à freguesia de Corroios e é um pequeno centro urbano composto maioritariamente por edifícios multi-familiares e por uma zona industrial. É limitado a Norte e a Este pela autoestrada nº 2, a Oeste por Vale Milhaços e a Sul por uma zona de antigos areeiros, hoje colonizados por matos e pinhal.
Vespa (Chrysura rufiventris) (26-04-2020)
O bairro dispõe de um jardim central relvado (com algumas árvores de médio/grande porte) que, por ser pensado exclusivamente para o lazer humano, é relativamente insípido no que toca a biodiversidade. Ainda assim, como muitos animais já se adaptaram a viver em meios antropogénicos, podemos encontrar vida um pouco por todo lado. Rolas-turcas (Streptopelia decaocto), melros (Turdus merula), rabirruivos-pretos (Phoenicurus ochruros), pintassilgos (Carduelis carduelis) e até os exóticos mainás-de-crista (Acridotheres cristatellus) coexistem por ali com os humanos e as suas barulhentas crias...
No entanto o maior valor natural desta zona encontra-se na área a sul, onde antes existiam os areeiros. O abandono a que esses locais foram votados permitiu que a natureza se desenvolvesse e por ali podemos encontrar interessantes exemplos de vida animal e vegetal, dependendo da estação do ano.
Apesar do tipo de vegetação não ser exuberante nem propício a uma enorme diversidade de aves, é ainda assim possível observar várias espécies, como o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopos major), a águia-d'asa-redonda (Buteo buteo), o abelharuco (Merops apiaster), a milheirinha (Serinus serinus), o verdilhão (Chloris chloris) ou o rouxinol (Luscinia megarhynchos), entre várias outras.
Entre as espécies vegetais que podemos observar na zona, encontram-se as minhas flores preferidas... orquídeas selvagens. Até hoje encontrei quatro espécies de orquídeas nos arredores de santa Marta: a erva-do-salepo (Anacamptis coriophora fragrans), a erva-língua-constricta (Serapias strictiflora), a erva-língua-menor (Serapias parviflora) e a abelheira (Ophrys apifera). Infelizmente, não deveremos voltar a ver algumas destas plantas, pois o habitat onde floresceram o ano passado foi soterrado pelas movimentações de terras junto ao novo complexo desportivo de Santa Marta. O desenvolvimento urbanístico pode proporcionar-nos comodidades e melhores condições de vida, mas cobra o seu preço...
Para delícia de alguns e arrepios de outros, facilmente encontraremos na zona uma variedade de espécies de répteis e anfíbios. Em Santa Marta já pude observar duas espécies de serpentes, duas espécies de sapos, uma salamandra e cinco espécies de lagartos. Infelizmente não os consegui fotografar a todos...
Até mamíferos selvagens como o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) ou o sacarrabos (Herpestes ichneumon) convivem connosco de uma forma muito mais próxima do que imaginamos. Quantas vezes teremos passado por um deles, escondido nas ervas, a poucos metros dos nossos pés?
Coelho-Bravo (Oryctolagus cuniculus) (22-03-2020)
E mesmo essa vegetação que os protege dos nossos olhos esconde muito mais do uns bichos e umas orquídeas... há surpresas muito agradáveis no coberto vegetal desta zona. É verdadeiramente fantástica a panóplia de cores e a miríade de formas que podemos observar, se caminharmos com atenção.
Entre esta área mais verde e a zona urbanizada propriamente dita podem ser observadas centenas de espécies de invertebrados... até mesmo dentro de casa. Alguns destes animais serão mais agradáveis à vista do que outros, mas todos têm o seu papel nos ecossistemas que nos rodeiam.
Até nos sítios mais insuspeitos podemos encontrar pequenas maravilhas, basta andarmos com atenção à natureza que nos rodeia. Da próxima vez que sair para um "passeio higiénico", esteja atento(a).
Puxa! Que vida, que nos passa ao lado, tantas vezes! Apresenta-nos uma verdadeira enciclopédia ilustrada. E o trabalho que aqui vai. E a paciência. Obrigado por partilhar com a comunidade de leitores de blogues. Que tenha saúde para continuar este trabalho. Parabéns!
Bom dia. É exactamente porque nos passa muita coisa ao lado que eu faço isto. Para chamar a atenção para toda esta vida... pode ser que isso ajude a que as pessoas deixem de mandar lixo para o chão, deixem de matar um insecto só pq lhes apareceu à frente, etc. O conhecimento é o primeiro passo da conservação. Obrigado. Saúde!
É importante, sim! É uma semente que se lança. Que germinará. De certo modo, também um certo espírito de "Missão". Intriga-me o facto de referir que já observou serpentes. Ignorava que houvesse por esses lados. De que tipos, sabe? Muito obrigado e muita saúde. "Roubei-lhe" algumas fotos de aves, para ver se as identifico melhor. Obrigado.
Já vi por aqui cobra-rateira (Malpolon monspessulanus)e cobra-rateira (Hemorrhois hippocrepis). Há bichos em todo lado, felizmente. Ainda não acabámos com tudo...
Esteja à vontade, só peço é que, se as publicar nalgum sítio, dê os devidos créditos. Abraço.
Boa noite, Daniel. Desculpa a pergunta, mas falas só de Santa Marta, ou do Sapal também? Fantástico post. Já tenho visto algumas espécies aqui e proximidades, não sei se em Santa Marta há algum local, assim e adorava ir até lá. Tudo de bom!
Boa tarde, Este post é apenas sobre Santa Marta do Pinhal. Tenho intenção de escrever umas coisas sobre a Ponta dos Corvos, o Parque Luso, o Parque Urbano da Quinta da Marialva e algumas outras localizações no Seixal, no futuro.
Passear demoradamente por aqui é uma maravilha! Além das excelentes fotografias com as legendas tão esclarecedoras, há os textos com tanto para aprender! Volto com frequência, pois para estudar tudo isto preciso de tempo. E vale mesmo a pena voltar, pois os temas do blog interessam-me muito. Obrigada Mena
Como vivo praticamente no campo, quase todos os dias fotografo as plantas silvestres, alguns insectos e algumas aves mais raramente (cegonhas , abibes, melros...). Sobre os insectos, agora já vou baptizar alguns deles graças a esta preciosa informação... Mena
Talvez não seja assim tão simples. Os insectos são muito complicados... eu tenho muita dificuldade com eles. Tente meter as suas fotos no biodiversity4all, eles ajudam a identificar e está a contribuir para o conhecimento científico. Vale a pena.
Daniel, Só agora cheguei a este post (agora já percebo o que querias dizer com um post com muitas imagens!) e, como a Inês referiu acima, foi um gozo percorrê-lo, sobretudo neste tempo de confinamento. É fabuloso perceber como uma zona relativamente pequena, próxima do meio urbano (se percebi bem), pode conter e atrair tanta vida. Fazer este inventário parece-me uma excelente forma de chamar a atenção dos outros para essa biodiversidade. Além de me parecer uma excelente forma de aproveitar o tempo em natureza. Já dou por mim a pensar em fazer algo parecido (mas não tão completo ou rigoroso) com as pequenas "bolhas" de natureza à minha volta. Excelente post, mais uma vez.
Sim, é uma zona de matos "mal engendrados" junto a um centro urbano, aparentemente sem qualquer interesse. Também eu fiquei surpreendido pela diversidade que ali encontrei. Se fosse uma zona mais conhecida ao nível da observação da natureza, ou mais óbvia ao nível da biodiversidade, bastariam meia dúzia de fotos para ilustrar... mas assim, para causar o impacto que eu pretendia, tinha mesmo que mostrar a maioria das espécies que ali encontrei. Não estão todas, mas está a maioria. Força com esse projecto. Há que mostrar às pessoas que não precisam ficar à espera de umas férias de sonho na natureza... se têm gosto por isso, podem aproveitar o tempo até lá e olhar com olhos de ver para o que temos ao nosso redor. (bem que precisamos de formas para aproveitar o tempo, nos dias que correm) Obrigado.