Uma andorinha não faz a primavera
A origem do ditado que dá nome a este 'poste' - em latim "una hirundo non facit ver" - remonta a Aristóteles (348 a.C. - 322 a.C.) e tem como base uma simples, mas importante lição de vida: nunca devemos tomar o todo por uma das suas partes.
No que diz respeito às andorinhas, é óbvio que a observação de uma destas pequenas aves em janeiro ou fevereiro não significa que chegou a estação das flores. Mas... e se observarmos várias? Não é suposto chegarem apenas na primavera? "São as alterações climáticas", é a resposta mais provável nos dia que correm. A verdade é que, independentemente da ocorrência destas alterações, é normal que as andorinhas comecem a chegar em janeiro. Algumas espécies até passam todo o inverno por cá, em certas regiões do país.
Mas, afinal as andorinhas não são todas iguais? Que espécies ocorrem em Portugal?
Andorinha-dáurica (Cecropis daurica) Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém (25-03-2016)
Em expansão desde há uns anos, a bonita andorinha-daurica tem-se tornado cada vez mais comum no nosso país, sendo geralmente observada por cá entre março e outubro. Nidifica principalmente debaixo de pontes e viadutos, construindo o ninho em forma de taça fechada, com um longo túnel de acesso. As partes inferiores e o uropígio de cor arruivada permitem distingui-la com alguma facilidade das restantes andorinhas.
Andorinha-das-barreiras (Riparia riparia) Corroios, Seixal (03-04-2017)
Tal como o seu nome indicia, as andorinhas-das-barreiras constroem as suas colónias de nidificação em barreiras arenosas, onde escavam os pequenos buracos que lhes vão servir de ninho. Castanha nas partes superiores, apresenta o ventre e garganta de um branco sujo, com uma banda castanha a atravessar o peito. Podem ser observadas geralmente desde meados de fevereiro até setembro, altura em que migram para regiões mais austrais.
Andorinha-das-Chaminés (Hirundo rustica) Corroios, Seixal (01-04-2017)
Esta é uma das espécies de andorinhas mais comuns em Portugal e provavelmente a mais emblemática. Sendo uma ave bastante urbana, é natural que seja também uma das mais facilmente reconhecíveis, com a sua barriga clara, a mancha avermelhada na garganta e a sua típica "cauda de andorinha" com as longas rectrizes externas. Os seus ninhos em forma de taça aberta, podem ser avistados isolados ou em pequenas colónias nas fachadas dos nossos prédios e casas, permitindo-nos muitas vezes observar os rituais diários da criação dos pequenos juvenis. A andorinha-das-chaminés é das primeiras aves estivais a regressar ao nosso país - sendo geralmente possível observar os primeiros indivíduos logo no início de janeiro - regressando a África nos finais de outubro.
Andorinha-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris) Alegrete, Portalegre (08-06-2019)
Sem ser abundante a nível nacional, a andorinha-das-rochas é bastante mais comum no interior do país, na época de nidificação. Chegado o inverno, é também possível encontrar dormitórios de várias dezenas de indivíduos nalgumas falésias costeiras e até em edifícios, na metade sul do território. É totalmente castanha, com um tom mais claro na zona inferior do corpo. Apresenta uma cauda quadrada que, quando aberta, revela algumas pintas brancas conspícuas.
Os seus ninhos encontram-se geralmente isolados ou em colónias de pequenas dimensões e apresentam um formato de taça aberta, semelhante aos das andorinhas-das-chaminés, mas são construídos em anfractuosidades rochosas. Em certas regiões, é possível observá-las a nidificar também em zonas urbanas, sob as varandas das edificações.
Andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) Parque Bem-saúde, Lisboa (13-05-2017)
É a mais urbana das nossas andorinhas. A distribuição da andorinha-dos-beirais abrange a maioria do território, com especial incidência nas zonas de maior ocupação humana. Tem a cauda ligeiramente bifurcada, o dorso e asas escuros e a zona inferior totalmente branca (o que, em algumas regiões, lhe granjeou o nome de papalvo). Geralmente forma colónias de nidificação que podem atingir dimensões bastante consideráveis, construindo estruturas que podem chegar a ter vários níveis de ninhos. Estes ninhos apresentam um formato de taça fechada, apenas com um pequeno buraco como entrada. O maior número de efectivos chega a partir de fevereiro e permanecem no nosso território até finais do verão, altura em que é possível observar bandos de grandes dimensões, quando se preparam para migrar.
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A chamada 'sabedoria popular' é desenvolvida e propagada entre gerações numa base de conhecimento empírico, reconhecendo-se-lhe quase sempre um fundo de verdade subjacente. Ainda assim, é a visão científica que tantas vezes vem trazer luz sobre as situações descritas nos provérbios, explicando a sua razão de ser. E, embora a ciência já tenha negado por completo alguns destes ditados, tal facto não invalida todo o restante conhecimento popular... afinal, "não é por morrer uma andorinha que acaba a primavera".