As patas são umas das partes anatómicas das aves que mais variam a nível de tamanho e formato. Se os pequenos passarinhos têm pernas relativamente curtas e finas, bem como dedos também eles finos e delicados, apropriados para se agarrarem aos pastos e ramos, as perdizes e codornizes têm patas mais fortes, adequadas a caminhar no solo, por exemplo. Há uma grande variedade de tipos de patas, pois estas tendem a reflectir com bastante fiabilidade o tipo de interacção que cada ave tem com o seu meio.
A verdade é que, se encontrássemos um destes membros perdido por aí, conseguiríamos provavelmente, com algum grau de certeza, saber a que grupo de aves teria pertencido.
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Uma águia a "surfar" um enorme peixe é uma das visões mais espectaculares que podemos ter nos nossos rios, estuários ou barragens. As patas destas rapinas especializadas na captura de peixes vivos possuem algumas das adaptações mais interessantes entre as aves, apresentando garras especialmente fortes e recurvadas, rugosidades com barbelas na pele e um dedo externo reversível, que lhe permite segurar os peixes com dois dedos para a frente e dois para trás.
As aves que se deslocam em meio aquático, quer apenas caminhem dentro de água, quer sejam nadadoras de superfície ou até mergulhadoras, desenvolveram também elas incríveis adaptações nos seus membros posteriores.
A maioria das aves nadadoras têm as patas colocadas bem atrás, em relação ao seu centro de gravidade, e possuem membranas interdigitais ou bolbos carnudos nos dedos, que lhes proporcionam uma melhor impulsão no meio aquático. Em terra seca, estes bichos são por norma desajeitados e relativamente lentos.
Já as garças e limícolas, que procuram alimento em lodos ou águas rasas, tendem a ter patas compridas, para que possam manter o corpo a seco, e dedos longos, que lhes conferem um maior equilíbrio.
O camão é um caso talvez ainda mais radical de adaptação. Para além das pernas altas, que usa para caminhar dentro de água, os seus dedos são extremamente compridos e permitem-lhe segurar as grandes raízes de caniço das quais se alimentam. Há quem diga que o seu nome deriva mesmo deste facto, sendo uma corruptela da expressão "c'a mão".
Mas a água não é o único meio que requer uma anatomia adaptada. As aves trepadoras, como os pica-paus e as trepadeiras têm dedos curtos e unhas finas e afiadas que lhes permitem agarrar-se aos troncos das árvores (ou às rochas, no caso da trepadeira-dos-muros). Estas, em conjunto com algumas outras características anatómicas, permitem-lhes subir (ou descer, como é hábito dos passarinhos abaixo) troncos e postes em busca de alimento.
Trepadeira-azul (Sitta europaea) Cercal do Alentejo (14-04-2017)
"Armadas" com garras não menos afiadas e dedos mais poderosos, as patas das aves de rapina são sentença de morte para qualquer incauta presa que se deixe apanhar por elas. Com um forte aperto e as garras espetadas profundamente no seu corpo, o fim chega rápido e misericordioso (se é que tal termo pode ser aplicado à natureza).
Açor (Accipiter gentilis) Seixal (20-06-2021)
Como qualquer eng. mecânico poderia confirmar, ter a forma adequada à função é uma das melhores maneiras de garantir a eficiência dos recursos, minimizando ao máximo o desperdício de energia. Não há realmente engenharia melhor do que a da velha mãe natureza.
Mais tradicional do Baixo Alentejo, o Cante Alentejano é uma das imagens de marca do nosso país e a 3ª nomeação portuguesa a ser reconhecida como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Fica um pequeno excerto de uma conhecida música:
Ouvir o seu canto a ecoar no silêncio da madrugada, é qualquer coisa de mágico e arrepiante. A gravação abaixo foi conseguida não às 4 da madrugada, mas às 00:35... foi quase.
A noite sempre foi palco preferencial para lendas e histórias assustadoras. As criaturas que nela vagueiam ainda hoje permanecem, aos nossos olhos, envoltas numa névoa de temor e mistério. Tememos irracionalmente o piar do mocho ou o silvar da coruja-das-torres, sobressaltamo-nos instintivamente com o repentino e silencioso bater de asas do morcego, enojamo-nos com a rastejante salamandra...
Até as borboletas, cujas versões diurnas nos deliciam com as suas cores e delicadeza, ganham uma conotação negativa quando vivem a coberto das trevas. "Traças", chamam-lhes alguns, com um esgar de desprezo.
Mariposa (Lythria sanguinaria) Lagoa de Albufeira, Sesimbra (19-05-2020)
Na verdade, o nome mais correcto a atribuir a estas borboletas noctívagas é o de "mariposas". A designação de "traças" deriva das espécies cujas larvas se alimentam do tecido das nossas roupas... mas, em Portugal, são pouquíssimas as espécies em que isto acontece (talvez meia dúzia), ao passo que as restantes borboletas nocturnas compreendem cerca de 2600 espécies. Ainda assim, provavelmente a sua má reputação deriva do facto de serem bichos pouco coloridos e de aspecto mais soturno, não é?
Mariposa (Acontia lucida) Seixal (03-06-2020)Mariposa (Cleta ramosaria) Cabo Espichel, Sesimbra (19-05-2020)Sangrenta-da-tasna (Tyria jacobaeae) Cercal do Alentejo (17-05-2020)Mariposa (Opisthograptis luteolata) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Mariposa-estriada (Spiris striata) Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, Sesimbra (21-08-2019)Mariposa-pluma (Crombrugghia laetus) Mata dos Medos, Almada (13-07-2019)
Não, nem por isso. As mariposas são tão ou mais coloridas do que as borboletas diurnas e são muito mais diversas no seu formato. De facto, entre cores pastel e outras mais garridas, estes animais surpreendem pela fantástica variedade de fenótipos que apresentam.
Talvez como meio de camuflagem, talvez com outro propósito evolucionário que escapa aos meus conhecimentos, a verdade é que esta multiplicidade de formas deu origem a animais lindíssimos que merecem ser observados com atenção.
Mariposa (Euchromius sp.) Pancas, Benavente (28-07-2020)Mariposa (Alucita grammodactyla) Lagoa de Albufeira (19-05-2020)Mariposa (Rhodometra sacraria) Seixal (24-04-2020)Mariposa (Coscinia chrysocephala) Seixal (23-04-2020)Mariposa (Gymnoscelis rufifasciata) Oliveira de Azeméis (14-09-2019)Mariposa (Scopula imitaria) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Mariposa (Cyclophora linearia) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Mariposa (Dysgonia algira) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa) Seixal (01-09-2019)Mariposa (Itame vincularia) Quinta do Texugo, Almada (25-08-2019)Mariposa (Mormo maura) Cercal do Alentejo (11-08-2019)Mariposa (Timandra comae) Cercal do Alentejo (11-08-2019)Mariposa-Cigana (Lymantria dispar) Mata da Machada, Barreiro (13-07-2019)Mariposa (Zygaena trifolii) Zambujeira do Mar, Odemira (01-06-2019)Mariposa (Zygaena lavandulae) V.N. Milfontes (19-04-2019)Mariposa (Macrothylacia digramma) Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, Sesimbra (13-04-2019)Mariposa (Eupithecia centaureata) Seixal (11-04-2020)Mariposa (Menophra abruptaria) Oliveira de Azeméis (14-09-2019)
Até as suas lagartas são geralmente vistosas e extravagantes, embora algumas sejam tóxicas e perigosas para Homem e animais.
Mariposa-dos-sargaços (Psilogaster loti) Peninha, Sintra (29-09-2020)Mariposa (Ethmia bipunctella) Serra do Louro, Palmela (30-06-2020)Processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa) Quinta do Texugo (16-02-2020)Processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa) Herdade da Aroeira, Almada (02-02-2020)
Pela sua ajuda no controlo de algumas plantas, pela sua contribuição para as cadeias tróficas, pelo seu importante lugar nos ecossistemas, pela sua beleza, estes pequenos bichos nocturnos merecem ser protegidos, acarinhados e apreciados. Afinal de contas, a noite não esconde apenas mistérios sombrios...
Os invertebrados são dos animais menos conhecidos do público em geral. Embora estejamos constantemente rodeados deles, o seu tamanho e os seus hábitos fazem com que tantas vezes nem reparemos na sua presença.
Tecedeira-de-cruz-cosmopolita (Araneus diadematus) Oliveira de Azeméis (14-09-2019)
Quando os descobrimos por perto, a nossa reacção automática é de matá-los, ignorando os grandes serviços que nos prestam, seja como polinizadores (e.g. abelhas e moscas) ou como controladores de pragas (e.g. aranhas e joaninhas). Como infelizmente tememos aquilo que não conhecemos bem, os insectos e aranhas tendem a gerar em nós reacções de medo e repulsa.
Aranha-lince (Oxyopes lineatus) Serra de S. Mamede (08-06-2019)
Mas... as aranhas não são insectos?
Não. Os insetos (classe Insecta) têm o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen. Possuem três pares de patas, apresentam um par de antenas e têm um desenvolvimento indireto. Já os aracnídeos (classe Arachnida) apresentam o corpo dividido em duas partes: abdómen e cefalotórax. Possuem quatro pares de patas, quelíceras, não apresentam antenas e podem ter um desenvolvimento direto ou indireto.
Aranha-de-funil (Eratigena sp.) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)Aranha-lobo-radiada (Hogna radiata) Cercal do Alentejo (12-08-2019)
Como é que estas exímias predadoras caçam? Bem, existem variadas técnicas nas quais cada espécie se especializa. Algumas tecem teias extremamente resistentes e impregnadas de uma substância adesiva em locais estratégicos, aguardando que algum insecto lá caia. Assim que tal acontece, atacam de forma fulminante, injectando-lhe veneno e embrulhando-o em seda para ser depois consumido. Outras espécies perseguem activamente as suas presas, muitas vezes saltando para as capturar. Há também aquelas que fazem emboscadas escondidas em fendas, buracos ou até mesmo camufladas nas flores das quais os insectos se alimentam.
Após capturarem as suas presas, as aranhas expelem um fluido digestivo para cima das mesmas começando assim o processo de digestão ainda fora do seu organismo. Após triturarem os pequenos animais com as quelíceras, reabsorvem os fluidos libertados, juntamente com a "carne". Deste processo sobra apenas uma pequena bola de resíduos, contendo as partes da quitina que a aranha é incapaz de digerir. Algumas espécies, como as aranhas caranguejo, injectam os fluidos digestivos no interior corpo das suas presas que são dissolvidas por dentro e sugadas de forma a que apenas resta uma carapaça vazia, ainda com a forma original do insecto.
As suas oito patas, o seu abdómen proeminente, os seus olhos (a maioria das aranhas tem quatro pares de olhos), os seus hábitos e até a forma como se movem constroem um aspecto geral repulsivo aos nossos olhos. Ainda assim, se conseguirmos observá-las de perto, podemos constatar que têm uma beleza muito própria, com formatos exóticos, cores garridas e padrões muito diversos consoante as espécies (e até por vezes com bastante variação individual).
Aranha (Mangora acalypha) Seixal (24-04-2020)Aranha (Anelosimus sp.) Seixal (15-03-2020)Aranha-caranguejo-de-Napoleão (Synema globosum) Santiago do Cacém (09-08-2019)Solífugo ou Aranha-camelo (Gluvia dorsalis) Segura, Idanha-a-nova (17-06-2017)
Enquanto espécie, temos evoluído no sentido de tentarmos viver em ambientes cada vez mais estéreis, sem a presença de outros seres ao nosso redor. Esta tentativa pseudo-divina de nos distanciarmos fisicamente dos restantes animais resulta bastas vezes em autênticas barbaridades... por medo irracional destruímos criaturas que nos são inofensivas e úteis. Acarinhem as vossas aranhas, bem como as osgas, cobras e outros bichos que vos assustam, pois muitas vezes são eles quem nos protege de ameaças bem mais reais...
A origem do ditado que dá nome a este 'poste' - em latim "una hirundo non facit ver" - remonta a Aristóteles (348 a.C. - 322 a.C.) e tem como base uma simples, mas importante lição de vida: nunca devemos tomar o todo por uma das suas partes.
No que diz respeito às andorinhas, é óbvio que a observação de uma destas pequenas aves em janeiro ou fevereiro não significa que chegou a estação das flores. Mas... e se observarmos várias? Não é suposto chegarem apenas na primavera? "São as alterações climáticas", é a resposta mais provável nos dia que correm. A verdade é que, independentemente da ocorrência destas alterações, é normal que as andorinhas comecem a chegar em janeiro. Algumas espécies até passam todo o inverno por cá, em certas regiões do país.
Mas, afinal as andorinhas não são todas iguais? Que espécies ocorrem em Portugal?
Andorinha-dáurica (Cecropis daurica) Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém (25-03-2016)
Em expansão desde há uns anos, a bonita andorinha-daurica tem-se tornado cada vez mais comum no nosso país, sendo geralmente observada por cá entre março e outubro. Nidifica principalmente debaixo de pontes e viadutos, construindo o ninho em forma de taça fechada, com um longo túnel de acesso. As partes inferiores e o uropígio de cor arruivada permitem distingui-la com alguma facilidade das restantes andorinhas.
Tal como o seu nome indicia, as andorinhas-das-barreiras constroem as suas colónias de nidificação em barreiras arenosas, onde escavam os pequenos buracos que lhes vão servir de ninho. Castanha nas partes superiores, apresenta o ventre e garganta de um branco sujo, com uma banda castanha a atravessar o peito. Podem ser observadas geralmente desde meados de fevereiro até setembro, altura em que migram para regiões mais austrais.
Esta é uma das espécies de andorinhas mais comuns em Portugal e provavelmente a mais emblemática. Sendo uma ave bastante urbana, é natural que seja também uma das mais facilmente reconhecíveis, com a sua barriga clara, a mancha avermelhada na garganta e a sua típica "cauda de andorinha" com as longas rectrizes externas. Os seus ninhos em forma de taça aberta, podem ser avistados isolados ou em pequenas colónias nas fachadas dos nossos prédios e casas, permitindo-nos muitas vezes observar os rituais diários da criação dos pequenos juvenis. A andorinha-das-chaminés é das primeiras aves estivais a regressar ao nosso país - sendo geralmente possível observar os primeiros indivíduos logo no início de janeiro - regressando a África nos finais de outubro.
Sem ser abundante a nível nacional, a andorinha-das-rochas é bastante mais comum no interior do país, na época de nidificação. Chegado o inverno, é também possível encontrar dormitórios de várias dezenas de indivíduos nalgumas falésias costeiras e até em edifícios, na metade sul do território. É totalmente castanha, com um tom mais claro na zona inferior do corpo. Apresenta uma cauda quadrada que, quando aberta, revela algumas pintas brancas conspícuas.
Os seus ninhos encontram-se geralmente isolados ou em colónias de pequenas dimensões e apresentam um formato de taça aberta, semelhante aos das andorinhas-das-chaminés, mas são construídos em anfractuosidades rochosas. Em certas regiões, é possível observá-las a nidificar também em zonas urbanas, sob as varandas das edificações.
É a mais urbana das nossas andorinhas. A distribuição da andorinha-dos-beirais abrange a maioria do território, com especial incidência nas zonas de maior ocupação humana. Tem a cauda ligeiramente bifurcada, o dorso e asas escuros e a zona inferior totalmente branca (o que, em algumas regiões, lhe granjeou o nome de papalvo). Geralmente forma colónias de nidificação que podem atingir dimensões bastante consideráveis, construindo estruturas que podem chegar a ter vários níveis de ninhos. Estes ninhos apresentam um formato de taça fechada, apenas com um pequeno buraco como entrada. O maior número de efectivos chega a partir de fevereiro e permanecem no nosso território até finais do verão, altura em que é possível observar bandos de grandes dimensões, quando se preparam para migrar.
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A chamada 'sabedoria popular' é desenvolvida e propagada entre gerações numa base de conhecimento empírico, reconhecendo-se-lhe quase sempre um fundo de verdade subjacente. Ainda assim, é a visão científica que tantas vezes vem trazer luz sobre as situações descritas nos provérbios, explicando a sua razão de ser. E, embora a ciência já tenha negado por completo alguns destes ditados, tal facto não invalida todo o restante conhecimento popular... afinal, "não é por morrer uma andorinha que acaba a primavera".
Muito presente no imaginário popular (considerada até responsável pelos "descuidos" de alguns casalinhos), longe vão os tempos em que esta ave sofreu um forte declínio populacional na Península Ibérica. Hoje a recuperação da espécie é notória e cada vez se torna mais fácil observá-la em plena alimentação, seja nos nos campos onde caçam pequenos animais ou nos aterros sanitários enquanto buscam comida no meio do nosso lixo.
Facilmente as observamos também nos postes que são o seu local de eleição para a nidificação, inclusivamente nas imediações das nossas casas. Nalgumas zonas do país, formam autênticos condomínios com dezenas de ninhos. "Vizinhas" que não passam despercebidas a ninguém...
No baixo alentejo, as populações costeiras destas aves constroem os seus ninhos nas falésias viradas ao mar, comportamento que aparentemente é único no mundo.
Uns quilómetros mais para oriente, é possível vê-las à caça nas quintas e quintais adjacentes às casas, quase indiferente às actividades humanas em redor.
Cegonha-branca (Ciconia ciconia) Cercal do Alentejo (21-04-2016)
Já nas lezírias de Vila Franca de Xira podemos encontrar bandos de centenas destas enormes aves nos arrozais, em perfeita cinergia com as actividades agrícolas. Os agricultores certamente agradecem que haja quem controle a população dos exóticos lagostins-vermelhos que por ali proliferam.
Cegonha-branca (Ciconia ciconia) Lezíria grande - Vila Franca de Xira (05-11-2017)