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bicho do mato

Aqui fala-se de natureza, aves, bichos em geral e do que mais me passar pela cabeça

bicho do mato

Aqui fala-se de natureza, aves, bichos em geral e do que mais me passar pela cabeça

28
Nov24

Testemunho de uma vida ephemera

Se é verdade que a natureza nos oferece constantes lições de adaptação, perseverança e superação, também é certo que nos presenteia com incríveis exemplos de delicadeza e fragilidade.

Este pequeno animal, pertencente à ordem Ephemeroptera, é o único insecto que, passando por uma metamorfose incompleta, apresenta um estágio intermédio (subimago) de duração raramente superior a 24h, em que - apesar de ainda imaturo sexualmente - possui asas perfeitamente funcionais.

Ao contrário da sua fase larvar (ninfa) que pode durar vários anos, os adultos (imago) vivem vidas extremamente curtas, variando entre 5 minutos e um par de dias (conforme a espécie a que pertençam) e nunca se alimentarão, pois apenas dispõem de bocas vestigiais. O seu único objectivo é a reprodução.

 

Neste dia, eras atrás, uma destas frágeis criaturas "decidiu" passar uma boa parte da sua vida adulta na porta do meu carro, permitindo-me um vislumbre da sua delicada beleza e, despertando em mim a natureza filosófica do ser humano, proporcionou-me a contemplação da sua (e da minha própria) efemeridade.

Efémera (Ephemera glaucops)Efémera (Ephemera glaucops) Albufeira de Morgavel - Sines (23-09-2017)

14
Mai24

BioBlitz Parque da Paz 2024

 
E que tal um dia divertido a descobrir a biodiversidade do Parque da Paz, com família e amigos, sempre com o apoio de especialistas na matéria? No próximo dia 26 de Maio, traga espírito de explorador e venha conhecer de perto as muitas formas de vida que têm refúgio no pulmão da cidade de Almada. Inscreva-se!
 

https://www.cm-almada.pt/bioblitz-parque-da-paz-2024

 

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BioBlitz Parque da Paz 2024

Em paralelo, estará a decorrer o Almada Green Market, onde podem ser adquiridos produtos (hortícolas, artesanato e outros) de produção local e sustentável.
17
Out23

Percevejos: o ataque dos vampiros vegetarianos

Nos últimos tempos, após saber-se que França se debatia com uma praga de mini sugadores de sangue, a internet portuguesa tem sido inundada com notícias sobre os percevejos, esses malvados vampiros! E cá no burgo não nos podíamos ficar com uma praga caseira, como por lá. Não, os nossos percevejos seguem as modas e, como tudo o que é mau ultimamente, são... asiáticos. (Será que têm os olhos em bico?)

Percevejo-do-funcho (Graphosoma italicum)Percevejo-do-funcho (Graphosoma italicum) Trafaria (15-06-2019)

A ladainha repete-se nos mais diversos recantos on-line, desde os grandes meios de comunicação nacionais, até aos pequenos periódicos regionais: "depois dos problemas em França, a praga chegou cá. Parece que os bichos vivem nas camas e só saem à noite para se alimentarem do nosso fluido vital, no entanto não são um problema de saúde pública, sendo apenas uma preocupação para agricultores e fruticultores. (Hã?!) Escondem-se nas madeiras da cama e nos colchões e são quase impossíveis de erradicar, mas deitam um odor desagradável quando esmagados." (então mas...)   

Foram dias e dias a ler textos idióticos - aparentemente todos copiados uns dos outros - sem o menor rigor, sem o mínimo dos mínimos de investigação jornalística, com uma misturada de conceitos e de espécies digna de uma salada russa. 

Felizmente, após algumas reclamações de quem percebe um bocadinho do assunto, lá começam a surgir alguns esclarecimentos pouco entusiásticos. Parece que afinal são espécies diferentes. Diz que "os nossos invasores" são inofensivos para as pessoas, pois só atacam plantas. A realidade é tão menos dramática, tão pouco dada a sensacionalismos...

No entanto, após tamanha entropia noticiosa, sobra uma questão pertinente: afinal, o que raios é um percevejo?

Percevejo (Calocoris roseomaculatus) Seixal (06-05-2020)Maria-Fedida (Nezara viridula) Oliveira de Azeméis (13-09-2019)

Em traços gerais, percevejo é o nome comum atribuído aos insectos pertencentes à subordem Heteroptera, que está contida na ordem Hemiptera (que também compreende as cigarras e as cigarrinhas).

Os infames percevejos-da-cama (bed bugs, em inglês) pertencem à Cimicidae, umas das muitas famílias dentro desta subordem dos percevejos. Estes insectos são parasitas externos e alimentam-se de sangue, como as pulgas ou as carraças. Já os agora famosos percevejos-asiáticos (Halyomorpha halys), pertencem a uma família totalmente dispar (Pentatomidae) e alimentam-se exclusivamente de plantas.

Percevejo-das-camas (Cimex lectularius) Foto: Eric R. Eaton (2019)Percevejo-asiático (Halyomorpha halys) Foto: Chris Rorabaugh (2014)

Estes últimos começam a ser de facto um problema em Portugal, como já o são há algum tempo na Europa, não por atacarem pessoas, mas porque, sendo uma espécie exótica invasora, têm causado graves prejuízos em explorações agrícolas. Já em 2019, a presença deste insecto no nosso país  tinha dado origem a esclarecimentos do governo dirigidos aos agricultores e a seminários de instituições científicas.

Então, na prática, ambos são pragas. De natureza diferente, mas ainda assim pragas. Qual é o grande problema de toda esta confusão e desinformação? Os danos colaterais, diria eu...

Percevejo (Sciocoris sideritidis) Seixal (06-12-2021)Percevejo (Chorosoma schillingii) Sagres (05-11-2021)Percevejo (Prionotylus brevicornis) Caparica (04-06-2021)Percevejo (Graphosoma semipunctatum) Seixal (30-05-2021)Percevejo (Cydnus aterrimus) Torrão (08-05-2021)Percevejo (Syromastus rhombeus) Lagoa de Albufeira (05-07-2020)Percevejo-do-solo (Spilostethus pandurus) Cabo Espichel (28-05-2020)Percevejo (Cyphodema instabilis) Fernão Ferro (18-05-2020)

À hora que escrevo estas linhas, existem 21.917 observações de 517 espécies de percevejos registadas na plataforma de "ciência cidadã" Biodiversity4All, em Portugal. Destas, apenas 5 observações são de 2 espécies de percevejos-da-cama: Cacodmus vicinusCimex lectularius. Incluem-se ainda 117 observações de percevejo-asiático. 

Ora, baseando-nos apenas nos dados retirados desta plataforma e relembrando que ela é meramente um repositório de informação avulsa registada por cidadãos comuns, encontramos 3 espécies de insectos problemáticas. Três! Por oposição a 514 outras espécies de percevejos, na sua maioria autóctones e perfeitamente inofensivas.

Percevejo (Odontotarsus callosus)Percevejo (Odontotarsus callosus) Fernão Ferro (19-05-2020)

Nestas matérias de biodiversidade, quando é lançada a confusão, seja por necessidade de sensacionalismo ou por incompetência dos media e até das entidades oficiais, geralmente há vítimas inocentes. Aconteceu, por exemplo, com o autóctone vespão-europeu (Vespa crabro) que, a reboque da cruzada anti vespa-asiática (Vespa velutina), se vê capturado nas armadilhas não selectivas de gente que não quer saber da sua importância ecológica e que não entende nem quer entender a diferença entre as espécies. E corre o risco de acontecer também com mais de meia centena de espécies autóctones de insectos que têm o azar de serem chamados de percevejos.

Percevejo (Micrelytra fossularum) Seixal (01-05-2020)Percevejo (Gonocerus insidiator) Seixal (23-04-2020)Percevejo (Eurygaster austriaca) Seixal (19-04-2020)Percevejo (Coreus marginatus) Seixal (18-04-2020)Percevejo-da-tília (Pyrrhocoris apterus) Seixal (18-04-2020)Percevejo (Closterotomus norwegicus) Seixal (18-04-2020)Percevejo-barco (Enoplops scapha) Seixal (11-04-2020)Percevejo (Centrocoris variegatus) Seixal (11-04-2020)Percevejo-das-malvas (Oxycarenus lavaterae) Seixal (03-04-2020)Percevejo (Camptopus lateralis) Seixal (18-03-2020)Percevejo-da-couve (Eurydema ornata) Seixal (21-07-2019)Percevejo-mediterrânico (Carpocoris mediterraneus atlanticus) Trafaria (15-06-2019)

Estes animais, como polinizadores, têm uma função ecológica de extrema importância para os ecossistemas nativos e até para as nossas actividades agrícolas. É desolador pensar que, por terem um aspecto genérico semelhante a determinadas espécies ou até pelo mero facto de terem o mesmo nome comum, estes bichos possam vir a sofrer represálias derivadas do medo que nos é instigado por uma série de meios de comunicação social que, eles sim e ao contrário destes percevejos, estão sempre "sequiosos de sangue".

Percevejo (Heterotoma planicornis)Percevejo (Heterotoma planicornis) Ribeira de Cabrela, Sintra (16-05-2021)

17
Mai23

BioBlitz Parque da Paz 2023

No próximo dia 28 de Maio vai decorrer o BioBlitz Parque da Paz, em Almada. As muitas actividades gratuitas, acompanhadas por especialistas, garantem diversão e aprendizagem para miúdos e graúdos, sempre com a natureza como pano de fundo. 

BioBlitz Parque da Paz 2023


As inscrições são limitadas a 25 participantes por saída de campo e podem ser efectuadas no link acima. As oficinas, exposições e jogos não necessitam de inscrição.

Em paralelo, estará a decorrer o Almada Green Market, onde podem ser adquiridos produtos (hortículas, artesanato e outros) de produção local e sustentável.

Vale a pena a visita!

22
Nov22

Onde observar - Sagres, ponto de encontro dos que não sabem o caminho

Para aqueles maluquinhos que fazem da observação de aves o seu hobbie (e às vezes a sua obsessão), as migrações primaveril (pré-nupcial) e outonal (pós-nupcial) apresentam oportunidades únicas de observação, pois trazem de passagem algumas espécies que dificilmente podemos observar noutras alturas do ano. A migração pós-nupcial é especialmente profícua, pois é no fim de verão/início de outono que as aves juvenis, nascidas mais a norte na Europa, empreendem a sua longa jornada a caminho de terras mais quentes... umas seguem para África, outras invernam por cá, na Península Ibérica.

Nesta época do ano, entre meados de agosto e meados de novembro (grosso modo), por todo o país surgem bichos de passagem, a caminho do Sul. É uma altura incrível, onde qualquer ave pode aparecer em qualquer sítio. Mas há um local específico para onde todos parecem convergir, tanto as aves como os observadores que as procuram. 

Bem-vindos a Sagres, a capital da observação de aves em Portugal. 

Esmerilhão (Falco columbarius)Esmerilhão (Falco columbarius) Sagres (07-11-2021)

 

Mas o que torna esta região tão atractiva nesta altura do ano?

Bem, é sabido que ninguém nasce ensinado... nem mesmo os animais, por muito bons que sejam os seus instintos. Após a reprodução, com a diminuição de horas de luz do dia, as aves migratórias começam paulatinamente a encetar o seu percurso a caminho de paragens mais meridionais. Umas seguem em bando, outras de forma mais isolada, mas todas elas são empurradas para sul pela sua bússola interna. Sucede que os adultos, tendo já efectuado pelo menos uma migração anteriormente, têm o azimute mais afinado e seguem directos para Gibraltar, o ponto onde irão atravessar o Mediterrâneo.

Já os putos, mais inexperientes e destrambelhados, vão descendo o país um pouco mais "à toa", mais dependentes dos ventos e da orografia do terreno. Só "sabem" que têm que seguir mais ou menos para os lados do sul, mas não sabem a rota, pelo que muitos acabam por aproximar-se da costa oeste e utilizam o mar como rumo. No entanto, entrando na península de Sagres, voltam a dar de caras com o mar na costa sul, ficam baralhados e, muitas vezes, permanecem a circular ali na região vários dias até finalmente se orientarem e seguirem para Gibraltar.

Se há um espectáculo que merece ser visto pelo menos uma vez, por aqueles que têm fraquinho por estes bichos emplumados, é o de dezenas de indivíduos de várias espécies de aves planadoras a circular pelos céus, à procura do caminho para um sítio que nunca viram...

Águia-cobreira (Circaetus gallicus) Sagres (04-10-2022)Cegonha-preta (Ciconia nigra) Sagres (02-10-2022)Bútio-vespeiro (Pernis apivorus) Sagres (02-10-2022)Gavião (Accipiter nisus) Sagres (02-10-2022)Açor (Accipiter gentilis) Sagres (01-10-2022)Grifo (Gyps fulvus) Sagres (04-11-2021)Grifo (Gyps fulvus) Sagres (04-11-2021)Grifo (Gyps fulvus) Sagres (04-11-2021)Abutre-preto (Aegypius monachus) Sagres (05-11-2021)Britango (Neophron percnopterus) Sagres (25-10-2019)Cegonha-preta (Ciconia nigra) Sagres (05-10-2018)Águia-de-bonelli (Aquila fasciata) Budens (07-10-2017)

 

Mais para fins de outubro, é especialmente impressionante observar isto a suceder com bandos de centenas de grifos. Chega a haver milhares destas aves a circular pela região ao mesmo tempo.

Grifo (Gyps fulvus)Grifo (Gyps fulvus) Sagres (04-11-2021)

 

Não é, portanto, de estranhar que ali tenha nascido o Festival Observação de Aves & Atividades de Natureza de Sagres, que este ano teve a sua 13ª edição. Todos os anos, geralmente na semana do feriado do 5 de outubro, dezenas de visitantes de várias nacionalidades vão observar de perto a migração e participar nas diversas actividades disponibilizadas pela organização.

Birdwatching2022-Website-Slider-PT.jpg

 

Mas as pessoas que se deslocam a Sagres nos inícios de outono não vão apenas à procura de rapinas. Entre aves residentes e migradoras, terrestres e marítimas, já foram observadas mais de 300 espécies na região. Há muito para ver...

Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe) Sagres (08-10-2022)Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola) Sagres (07-10-2022)Toutinegra-do-mato (Sylvia undata) Sagres (07-10-2022)Papa-figos (Oriolus oriolus) Sagres (06-10-2022)Tarambola-dourada (Pluvialis apricaria) Sagres (05-10-2022)Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca) Sagres (05-10-2022)Cotovia-arbórea (Lullula arborea) Sagres (03-10-2022)Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Sagres (02-10-2022)Estorninho-malhado (Sturnus vulgaris) Sagres (07-11-2021)Cotovia-escura (Galerida theklae) Sagres (07-11-2021)

Melro-de-colar (Turdus torquatus)

Galheta (Gulosus aristotelis) Sagres (07-11-2021)Melro-de-colar (Turdus torquatus) Sagres (07-11-2021)Tordo-zornal (Turdus pilaris) Sagres (25-10-2019)Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Sagres (06-10-2017)Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca) Sagres (06-10-2017)Casquilho (Oceanites oceanicus) ao largo de Sagres (06-10-2017)Alma-de-mestre (Hydrobates pelagicus) ao largo de Sagres (06-10-2017)Alcatraz (Morus bassanus) ao largo de Sagres (06-10-2017)Toutinegra-de-bigodes (Curruca iberiae) Sagres (05-10-2017)Papa-amoras-comum (Curruca communis) Sagres (05-10-2017)Mocho-galego (Athene noctua) Vila do Bispo (02-10-2016)Trigueirão (Emberiza calandra) Sagres (02-10-2016)Torcicolo (Jynx torquilla) Vila do Bispo (30-09-2016)Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) Vila do Bispo (30-09-2016)Corvo (Corvus corax) Sagres (07-11-2021)Pardela-balear (Puffinus mauretanicus) Sagres (36-10-2019)Melro-azul (Monticola solitarius) Boca do Rio (10-06-2016)Chasco-ruivo (Oenanthe hispanica) Sagres (10-06-2016)

 

Entre todas estas espécies, há sempre algumas que chamam mais a atenção ou geram mais procura, quer seja por serem especialidades da região, ou por serem aves mais incomuns ou até raras.

Sisão (Tetrax tetrax)Sisão (Tetrax tetrax) Sagres (30-09-2016)

Borrelho-ruivo (Charadrius morinellus) Sagres (07-10-2022)Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) Sagres (02-10-2022)Petinha-marítima (Anthus petrosus) Sagres (26-10-2019)Grifo-pedrês (Gyps rueppellii) Sagres (05-10-2017)

 

Com tantas aves a circular na zona, é inevitável que acabem por interagir connosco e com o nosso modo de vida.

Esta interacção é especialmente preocupante nos parques eólicos da região, que representam um perigo muito real para grandes planadoras, como águias, cegonhas e abutres. As empresas gestoras destes parques contratam, no período mais crítico do ano, consultoras que colocam equipas no terreno, que garantem uma monitorização permanente. Estas equipas dispõem inclusivamente da capacidade de parar os geradores, em caso de perigo eminente.

Felizmente, estas medidas de mitigação têm mostrado ser bastante eficientes.

 

Outras interacções aves/humanos podem parecer mais inócuas, mas nem sempre é bem assim.

Os extra-maluquinhos que se decidam a levantar bem cedo para dar uma volta pela zona, arriscam-se a ter surpresas como dar de caras com um bando de dezenas ou até centenas de abutres a dormitar no chão. Claro que a tentação de nos aproximarmos é bastante difícil de resistir... as fotos que poderíamos conseguir, se chegássemos perto...

No entanto, os resultados disso tendem a ser bastante perniciosos para as aves. O mais provável é que estas se vão assustar e levantar voo mais cedo do que o suposto, acabando por não descansar tanto quanto precisavam. Não esqueçamos que são aves enormes, a meio de uma viagem de milhares de km... toda a energia poupada é preciosa.

E, se os fizermos levantar voo assustados nas imediações de um parque eólico, mais do que meramente pernicioso, o resultado pode ser catastrófico.

Grifo (Gyps fulvus)

Grifos (Gyps fulvus) Sagres (07-11-2021)

 

De qualquer forma, podemos apreciar à distância e até conseguir algumas fotos sem incomodar os bichos. Basta que tenhamos em mente mais o seu interesse do que o nosso.

As fotos acima foram todas conseguidas a uma distância segura, de dentro do carro, parado na berma de uma estrada alcatroada. Não serão imagens tecnicamente perfeitas, mas são excelentes recordações de um incrível "momento National Geographic", num dia em que decidi dar uma volta à toa, ao nascer do dia, sem percurso nem destino definidos.

 

Definitivamente, no outono, Sagres é o ponto de encontro dos que não sabem o caminho...

 

09
Mai22

Jardins de ervas daninhas

A maior parte das pessoas, quando imagina um jardim agradável, visualiza um relvado espaçoso e bem aparado, com sombras frescas, onde as crianças possam brincar e os adultos descansar. E, na verdade, a maior parte dos nossos jardins e parques urbanos estão assim idealizados, afinal esses espaços existem exclusivamente para nosso usufruto, não é?

Abelha-melífera (Apis mellifera iberiensis)Abelha-melífera-ibérica (Apis mellifera iberiensis) Santa Marta do Pinhal (13-03-2022)

Bem, essa é a forma como tendemos a ver a coisa, mas na realidade há muito mais "interessados" nesses nossos espaços de lazer. Uma miríade de pequenos insectos (entre eles as tão úteis e cada vez mais ameaçadas abelhas-melíferas) frequenta os nossos parques e jardins e depende muitas vezes deles para sobreviver nos meios extremamente humanizados das nossas cidades.

Escaravelho (Stenopterus mauritanicus)Escaravelho (Stenopterus mauritanicus) Santa Marta do Pinhal (24-04-2020)

No entanto, esta nossa filosofia de espaços verdes está longe de ser a mais sustentável, a vários níveis. Para além da absurda quantidade de água necessária para manter um relvado e da poluição causada pelos cortadores de relva, o corte constante impede as plantas de se desenvolverem e de florirem, roubando assim a estes pequenos seres a sua alimentação e os seus suportes de procriação.

Mosca-imita-vespa (Volucella zonaria) Cercal do Alentejo (10-08-2021)Lagarta de borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon) Jamor (02-10-2021)Percevejo‑do‑solo (Spilostethus pandurus) Cercal do Alentejo (10-08-2021)Jaquetão-das-flores-mediterrânico (Oxythyrea funesta) Santa Marta do Pinhal (08-04-2022)

Nos tempos que correm, há um crescente entendimento acerca das nossas interacções com a natureza e, felizmente, vamos tendo uma mais correcta noção da importância dos outros seres vivos no nosso dia-a-dia e até nas nossas actividades económicas. Sabemos hoje que os polinizadores são extremamente importantes para as nossas produções de frutos e produtos hortícolas e compreendemos cada vez melhor a necessidade de os proteger.

Almirante-vermelho (Vanessa atalanta)Almirante-vermelho (Vanessa atalanta) Santa Marta do Pinhal (22-03-2020)

Portanto, a exagerada humanização das nossas áreas verdes urbanas não é uma questão de somenos. É um assunto premente que, nos países em que existe uma maior consciencialização ambiental, já está a ser tido em consideração há bastante tempo, como podemos verificar em projectos como o No Mow May, no Reino Unido.

Este tipo de coisas costuma demorar a chegar cá ao nosso burgo, mas, afortunadamente, lá acaba por chegar. Alguns municípios, como são exemplo Oeiras, Ílhavo e Alenquer, já estão sensibilizados para esta questão e já permitem que, em algumas áreas e durante alguns períodos do ano, as "ervas daninhas" cresçam e completem o seu ciclo de vida. Em Lisboa, a FCUL foi mesmo mais longe e está a apostar na criação de mini-florestas em substituição de relvados.

Escaravelho (Hymenoplia sp.) Santa Marta do Pinhal (24-04-2020)Longicórnio (Calamobius filum) Santa Marta do Pinhal (23-04-2020)Carochinha (Chrysolina bankii) Corroios (13-03-2020)Percevejo (Eurydema ornata) Corroios (21-07-2019)Percevejo-do-funcho (Graphosoma italicum) Trafaria (15-06-2019)Escaravelho-florícola (Anthoplia floricola) Castelo de Vide (08-06-2019)

Estas acções, por importantes que sejam, não dispensam a necessidade de um crescente investimento na educação ambiental. É preciso que os comum cidadão entenda o porquê destes jardins serem aparentemente deixados ao abandono, é preciso envolver a população através de projectos como BioBlitzs ou construções de estruturas como hotéis para insectos, que podem ser levados a cabo por autarquias, escolas ou associações.

Mosca-abelhão (Bombylius cruciatus)Mosca-abelhão (Bombylius cruciatus) Seixal (08-05-2020)

Por muito que um relvado aparado e cuidado nos possa parecer atractivo, se deixarmos crescer as plantas, se permitirmos que os ciclos naturais se completem e se prestarmos atenção, olhando com olhos de ver, não é difícil observar toda a vida e toda a incrível beleza que existe nos "jardins de ervas daninhas".

10
Jan22

Eu vi um sapo

Alvos de mitos e crendices desde tempos imemoriais, os sapos são ainda hoje vistos como criaturas repugnantes e maléficas, ligadas a bruxarias e maldições. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade.

Os anuros, ordem da classe Amphibia à qual pertencem os sapos (tal como as rãs e as relas), são animais delicados, belos e extremamente úteis. Para além de ajudarem a controlar as populações de insectos e outros invertebrados, estes bichos são excelentes bio-indicadores que permitem aferir a qualidade dos ecossistemas.

Sapo-corredor (Epidalea calamita)Sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-02-2021)

 

Longe de ser a minha especialidade, confesso que os anfíbios são um grupo de animais que exerce algum fascínio sobre mim, pelo que vou lendo algumas coisas e tentando aprender o que consigo sobre eles. Entre sapos, rãs e relas, a ordem Anura compreende doze espécies autóctones no território continental português. Infelizmente, ainda só consegui observar no campo oito delas....

Sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes)Sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes) Seixal (27-02-2021)

 

Terá sido, possivelmente, o aspecto "verrugoso" da pele de algumas espécies que deu origem às crenças de que os sapos causam verrugas a quem lhes tocar. Obviamente, não há qualquer fundamento nestes receios. No entanto, as afirmações de que estes animais são "peçonhentos" não são totalmente infundadas. Os sapos possuem junto à cabeça um par de glândulas chamadas parótidas, que segregam uma substância tóxica leitosa. Ainda assim, essa estratégia de defesa contra predadores é perfeitamente inócua para ao ser humano (a não ser que alguém tenha brilhante a ideia de tentar morder um sapo). Estas glândulas são especialmente desenvolvidas nas duas espécies da família Bufonidae presentes no nosso território: o sapo-comum e o sapo-corredor.

Sapo-comum (Bufo spinosus)Sapo-comum (Bufo spinosus) Sagres (25-10-2019)

 

Dependentes da humidade até para conseguirem respirar pela pele, os sapos não vivem na água, mas nunca andam muito longe de zonas alagadas, pelo que as alturas mais fáceis para os conseguir observar é aquando das primeiras chuvas do outono e primavera, quando eles se dirigem às poças temporarias para procriar e depositar os seus ovos. Quando os girinos nascem, podemos vê-los às centenas nestas poças. 

Sapo-corredor (Epidalea calamita)Amplexo de sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-12-2021)

Sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-02-2021)Sapo-comum (Bufo spinosus) Seixal (13-02-2021)

Sapo-comum (Bufo spinosus)Girinos de sapo-comum (Bufo spinosus) Seixal (13-02-2021)

 

Os sapos adultos podem variar muito de tamanho, dependendo da espécie. Num dos extremos, temos a fêmea de sapo-comum, que pode atingir os 21 cm de comprimento, ao passo que no outro extremo, temos os indivíduos das duas espécies de sapinho-de-verrugas-verdes, que não ultrapassam os 4,5 cm.

Sapinho-de-verrugas-verdes-português (Pelodytes atlanticus)Sapinho-de-verrugas-verdes-português (Pelodytes atlanticus) Seixal (27-12-2021)

 

Ao nível da coloração, dependendo das espécies, predominam os tons acastanhados e esverdeados. Aqui destaca-se o sapo-corredor, que apresenta alguma variação de tons e padrões, podendo ir de um padrão amarelo-acastanhado, muito semelhante ao do sapo-comum, passando por um amarelado manchado de verde, até aos padrões mais bonitos (na minha opinião) de base esbranquiçada, com manchas escuras e rosadas.

Sapo-corredor (Epidalea calamita)Sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-02-2021)

 

Mas, na verdade, o que são sapos? Como se distinguem das rãs? Bem, pelo que pude apurar, não há uma distinção científica que os separe assim tão linearmente. Ainda assim, existem alguns traços que os definem e nos permitem classificá-los nesses termos. Por exemplo, as rãs possuem dentes e os sapos não. Além disso, as rãs vivem em meio aquático, ao passo que os sapos são terrestres e apenas andam dentro de água quando se pretendem reproduzir.

Há uma tendência popular de chamar sapos aos anuros de pele rugosa e rãs aos de pele lisa, mas esta separação não é tão rigorosa quanto isso. Por exemplo, a chamada rã-de-focinho-pontiagudo tem a pele lisa mas é, na realidade, um sapo. É um animal terrestre que depende de massas de água apenas para se reproduzir.

Rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi)Rã-de-focinho-pontiagudo juvenil (Discoglossus galganoi) Seixal (31-05-2020)

 

Já as verdadeiras rãs vivem na água toda a sua vida. Menos mal-vistas que os seus "primos" sapos, elas fazem as delícias das crianças nos lagos de parques e jardins... talvez pelo facto de possuírem uma pele lisa e brilhante, sem as pseudo-verrugas que tão facilmente nos causam repulsa.

Rã-verde (Pelophylax perezi)Rã-verde (Pelophylax perezi) Almada (19-06-2019)

 

Em Portugal ocorrem duas espécies de verdadeiras rãs, sendo que a rã-verde apenas ocorre na península ibérica e no sul de França e a rã-ibérica é mesmo endémica da nossa península (em Portugal, só ocorre na metade norte do território).

Rã-ibérica (Rana iberica)Rã-ibérica (Rana iberica) Vale de Cambra (08-09-2018)

 

As relas também são, por vezes, chamadas de rãs. Mas a sua ecologia difere bastante destas últimas, pois são animais arborícolas que que se refugiam na vegetação emergente nas orlas de charcos, ribeiros ou zonas alagadas. Os seus dedos terminam numa ventosa que lhes permite agarrarem-se eficientemente ao trepar pelos os arbustos. A sua cor verde brilhante pode fazer pensar que serão fáceis de encontrar, mas longe disso... é bastante difícil dar com uma, mesmo que a estejamos a ouvir cantar ali ao lado.

Rela-comum (Hyla molleri)Rela-comum (Hyla molleri) Estarreja (23-02-2020)

 

Apesar de não terem o "glamour" das suas primas rãs e relas, os sapos são criaturas belas e cheias de personalidade, assim consigamos esquecer a nossa tão mal direccionada repulsa e observá-las à luz da curiosidade científica. Quando encontrarmos um destes bichos por aí, vale a pena parar uns minutos para tentar compreender as suas interacções com o meio e até mesmo connosco. Depois sim, ao transmitirmos a alguém aquilo que aprendemos com essa experiência, vamos poder afirmar: "Eu vi um sapo..."

04
Ago21

Impactos e Interacções - Bigfoot

O impacto que as nossas actividades têm sobre a natureza aumenta a cada ano que passa. O consumo desenfreado leva a um excesso de resíduos e quem paga a factura são as aves, os peixes, as plantas... Urge tomar consciência e fazer os possíveis para reduzir a nossa pegada ecológica que, neste momento, é titânica.

 

Rola-do-mar (Arenaria interpres) Costa de Caparica (02-05-2016) (1).JPGRola-do-mar (Arenaria interpresCosta da Caparica - Almada (02-05-2016)

05
Mai21

Onde observar: Seixal - Ponta dos Corvos

A Ponta dos Corvos é uma restinga que separa o leito do rio Tejo das águas mais interiores do Sapal de Corroios. Pertencente ao concelho do Seixal, este pedacinho de terra detém bastante importância histórica, pois ali se estabeleceu, em 1947, a chamada Fábrica Atlântica de Seca de Bacalhau. Com uma área de aproximadamente 40 ha e cerca de 600 trabalhadores, esta era a maior fábrica deste tipo na região. Encerrada desde o ínicio dos anos 90, todas as suas infraestruturas, bem como os moinhos de maré nas proximidades, encontram-se hoje completamente entregues ao degredo.

Mas os valores históricos não são os únicos, nem (na minha óptica) os mais importantes valores desta zona. O Sapal de Corroios é um importantíssimo refúgio de vida selvagem, infelizmente também ele completamente ignorado pelo poder autárquico.

Ponta dos CorvosNascer do sol na Ponta dos Corvos (05-12-2015)

 

Apesar de massacrada com a grande quantidade de lixo por ali deixada e com uma perturbação relativamente constante, a biodiversidade deste local ainda é assinalavelmente interessante. Ali podemos encontrar várias espécies de plantas, bastantes insectos, alguns répteis e, claro, muitas aves. Entre estas últimas, sem dúvida que a mais vistosa é o flamingo-rosado.

Flamingo-rosado (Phoenicopterus roseus)Flamingo-rosado (Phoenicopterus roseus) (03-04-2017)

 

Mas a avifauna deste local não é composta apenas pelos pernaltas cor-de-rosa, é muito mais diversa e interessante. No inverno, as aves aquáticas e limícolas dominam a paisagem, pois encontram ali excelentes condições para descansar e procurar alimento. Desde os corvos-marinhos que eu pensava que fossem a razão do nome deste local (informação entretanto corrigida pelo Sr. Manuel da Costa, nos comentários abaixo), passando pelas garças, tarambolas, patos, pilritos, maçaricos, gaivotas, rolas do mar... podemos observar bandos de centenas ou milhares de aves, miríades de pequenos corpos emplumados que se deslocam, ao ritmo das marés, entre os lodos expostos pela baixa-mar e a vegetação que lhes serve de poiso durante a preia-mar.

Ganso-do-egipto (Alopochen aegyptiacus) (03-04-2021)Garça-branca-pequena (Egretta garzetta) (02-04-2021)Pilrito-comum (Calidris alpina) (10-01-2021)Rola-do-mar (Arenaria interpres) (10-01-2021)Perna-vermelha-comum (Tringa totanus) (10-01-2021)Borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula) (08-12-2020)Colhereiro (Platalea leucorodia) (28-11-2020)Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola) (21-11-2020)Maçarico-real (Numenius arquata) (21-11-2020)Carraceiro (Bubulcus ibis) (15-11-2020)Tadorna (Tadorna tadorna) (06-05-2020)Gaivota-de-cabeça-preta (Ichthyaetus melanocephalus) (28-09-2019)Maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos) (07-01-2018)Pilrito-das-praias (Calidris alba) (01-11-2017)Borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) (01-11-2017)Perna-verde-comum (Tringa nebularia) (14-01-2017)Pernilongo (Himantopus himantopus) (14-05-2016)Maçarico-galego (Numenius phaeopus) (28-04-2016)Pato-real (Anas platyrhynchos) (19-03-2016)Corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo) (21-02-2016)Garça-real (Ardea cinerea) (21-02-2016)Alfaiate (Recurvirostra avosetta) (05-12-2015)

 

Esporadicamente até por ali aparece alguma ave mais incomum ou mesmo rara. Não fosse a constante presença humana, a localização privilegiada deste local iria possivelmente atrair ainda mais destas aves.

Ganso-de-faces-pretas (Branta bernicla)Ganso-de-faces-pretas (Branta bernicla) (15-11-2020)

 

Outras aves, passeriformes e não só, frequentam as praias, os pastos, as ruínas e a vegetação de sapal. Várias espécies aparecem por ali na migração, como chascos e picanços, outras ficam para o inverno, como as petinhas, as lavercas e o pisco-de-peito-azul. Também há as que ali nidificam, como a poupa, o rabirruivo e o cartaxo. Se olharmos com atenção, podemos encontrar um variado leque de formas, cores e cantos...

Poupa (Upupa epops) (02-04-2021)Laverca (Alauda arvensis) (28-02-2021)Pega-rabuda (Pica pica) (30-11-2020)Petinha-dos-prados (Anthus pratensis) (01-11-2020)Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis) (28-09-2019)Cartaxo-comum (Saxicola rubicola) (01-11-2017)Gralha-preta (Corvus corone) (19-11-2016)Toutinegra-do-mato (Sylvia undata) (19-11-2016)Felosinha (Phylloscopus collybita) (27-10-2016)Cotovia-de-poupa (Galerida cristata) (27-10-2016)Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe) (27-10-2016)Pisco-de-peito-azul (Luscinia svecica) (27-10-2016)Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) (19-10-2016)Papa-moscas-cinzento (Muscicapa striata) (28-08-2016)Pardal (Passer domesticus) (20-07-2016)Toutinegra-dos-valados (Sylvia melanocephala) (14-05-2016)Picanço-real (Lanius meridionalis) (28-04-2016)Melro-preto (Turdus merula) (23-04-2016)Picanço-barreteiro (Lanius senator) (23-04-2016)Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica) (21-02-2016)Torcicolo (Jynx torquilla) (15-11-2020)Perdiz-vermelha (Alectoris rufa) (01-11-2017)
 

Mas estas aves, sejam elas aquáticas ou terrestres, não estão totalmente seguras e protegidas. Várias rapinas frequentam este recanto, em busca de presas. Se algumas se alimentam de insectos e pequenos vertebrados - ou até de peixe - outras tiram partido da fantástica quantidade de presas emplumadas que por ali existem. A águia-d'asa-redonda é comum ali, durante todo o ano, o falcão-peregrino também pode ser visto com frequência, bem como o peneireiro-vulgar. Também a icónica águia-pesqueira passa ali o inverno, usufruindo da abundância de poisos seguros no meio do sapal para devorar os peixes que captura nas águas do Tejo. Estas, entre algumas outras aves de rapina, constituem o topo da cadeia alimentar deste ecossistema.

Falcão-peregrino (Falco peregrinus)Falcão-peregrino (Falco peregrinus brookei) (02-02-2020)

Águia-sapeira (Circus aeruginosus) (02-01-2021)Coruja-do-nabal (Asio flammeus) (13-12-2020)Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus) (01-11-2017)Águia-pesqueira (Pandion haliaetus) (14-01-2017)Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus) (21-02-2016)Águia-d'asa-redonda (Buteo buteo) (21-02-2016)

 

Mais abaixo, numa posição muito ingrata da cadeia alimentar, podemos observar por ali vários invertebrados, como gafanhotos e borboletas, alguns pequenos répteis e os sempre presentes caranguejos, nas zonas banhadas pelo rio. Pequenos e geralmente bem camuflados, estes bichos requerem a nossa melhor atenção, se os queremos encontrar. Mas vale a pena...

Lagarta de Trifoli (Lasiocampa trifolii) (03-04-2021)Besouro (Scarites cyclops) (03-04-2021)Caranguejo-verde (Carcinus maenas) (15-11-2020)Formiga-leão (Creoleon sp.) (26-05-2020)Mariposa (Diasemiopsis ramburialis) (26-05-2020)Esperança (Platycleis sp.) (26-05-2020)Moscardo (Dasypogon sp.) (26-05-2020)Neuróptero‑das‑duas-penas (Nemoptera bipennis) (26-05-2020)Larva de joaninha-de-sete-pintas (Coccinella septempunctata) (06-05-2020)Percevejo (Calocoris roseomaculatus) (06-05-2020)Mariposa (Idaea ochrata) (06-05-2020)Douradinha-do-arco (Thymelicus acteon) (06-05-2020)Cobra-de-pernas-tridáctila (Chalcides striatus) (06-05-2020)Lagartixa-verde (Podarcis virescens) (08-05-2017)

 

Também o coberto vegetal é interessante e até demasiado variado para os meus parcos conhecimentos. Assim, qualquer pessoa que por ali caminhe certamente encontrará uma ou outra plantinha mais vistosa, nem que sejam apenas aquelas cujas flores coloridas imediatamente nos chamam a atenção.

Cistanche (Cistanche phelypaea) (03-04-2021)Silene (Silene nicaeensis) (03-04-2021)Papoila (Papaver rhoeas) (03-04-2021)Goivo-da-praia (Malcolmia littorea) (02-04-2021)Jacinto-das-searas (Leopoldia comosa) (02-04-2021)Erva-gorda (Arctotheca calendula) (02-04-2021)Erva-vassoura (Phelipanche nana) (02-04-2021)Tremoço-azul (Lupinus angustifolius) (13-03-2021)Tomilho (Thymus sp.) (26-05-2020)Arméria (Armeria pungens) (06-05-2020)Erva-pinheira-enxuta (Petrosedum sediforme) (06-05-2020)Ansarina-dos-campos (Linaria spartea) (06-05-2020)
Alho-pôrro (Allium ampeloprasum) (06-05-2020)Botão-azul (Jasione montana) (06-05-2020)

 

As actividades de veraneio desregradas, a enorme quantidade de lixo deixada pelos mariscadores, a falta de fiscalização às actividades lúdicas como a canoagem ou o stand-up paddle, a falta de civismo em geral das pessoas que usufruem deste fantástico espaço, estão a pôr em perigo aquele que é, provavelmente, o maior valor natural deste concelho. Diz-se até que há planos para dinamizar e modernizar as praias da Ponta dos Corvos... a forma como isto será levado a cabo poderá vir a colocar (ou não) ainda mais pressão humana sobre o sapal.

Urge repensar a forma como vemos e utilizamos os nossos espaços naturais, tal como urge exigir às autarquias que protejam e cuidem destes frágeis paraísos. Isto se quisermos que as crianças do futuro ainda possam deslumbrar-se com a delicadeza dos flamingos e maravilhar-se com o voo rasante de um bando de milhares de limícolas... não num zoo, não num qualquer documentário da BBC, mas sim ali, quase à porta das nossas casas.

26
Mar21

Onde observar: Seixal - Parque Urbano da Quinta da Marialva

O concelho do Seixal tem alguns locais com excelentes condições para a Observação de Natureza, principalmente ao nível da avifauna. Desde que tomei residência no concelho, tenho vindo a explorar alguns destes locais com o intuito de ir registando e inventariando a biodiversidade que por aqui encontro. O resultado dos meus esforços, bem como dos esforços de muitas outras pessoas, pode ser verificado num projecto na plataforma iNaturalist, que já conta com mais de 9000 observações de cerca de 1400 espécies, registadas por mais de 160 observadores:

https://www.inaturalist.org/projects/biodiversidade-do-seixal

- - -

Junto a Santa Marta do Pinhal existe o Parque Urbano da Quinta da Marialva, uma zona de lazer equipada com um circuito de manutenção, um parque geriátrico, um percurso pavimentado, vários relvados, um campo de basquetebol, um campo pelado de futebol, um parque infantil, uma zona de churrascos, um anfiteatro ao ar livre com palco para concertos e um pavilhão multiusos. Aqui ocorrem alguns eventos como a "Mostra de actividades económicas" (vulgo feira) mensal, as Festas de Corroios, ou a Feira Medieval de Corroios. Este parque é utilizado diariamente por dezenas de pessoas para fazer desporto, passear os cães, brincar com as crianças ou simplesmente passear e apanhar sol.

Não se pode dizer que seja um local com grandes valores naturais, uma vez que, tal como a maioria dos jardins no Seixal, é bastante insípido e despido de vegetação, mantendo apenas algumas árvores de médio/grande porte e uns poucos arbustos. Tem, no entanto, uma vala de escoamento de águas pluviais que consegue ser suporte para um ecossistema interessante e variado.

 

Bico-de-lacre (Estrilda astrild)Bico-de-lacre (Estrilda astrild) (13-10-2016)

Ao nível da avifauna, este parque tem 62 espécies registadas, sendo a maioria aves comuns que podem ser encontradas em qualquer outro parque ou jardim. Na vala facilmente encontraremos os exóticos bicos-de-lacre, fuinhas-dos-juncos, uma ocasional carriça, talvez uma alvéola ou duas e até um casal de patos-reais. Nos relvados pululam os melros e as invernantes petinhas-dos-prados, aparece uma cotovia de vez em quando, circulam os inevitáveis pardais e os estridentes estorninhos, em busca de vermes para se alimentarem. As árvores dão abrigo a piscos, pintassilgos, milheirinhas, gaios, trepadeiras, chapins e uma série de outros passeriformes.

Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis) (26-09-2020)Lugre (Spinus spinus) (15-03-2020)Alvéola-cinzenta (Motacilla cinerea) (04-11-2017)Petinha-dos-prados (Anthus pratensis) (04-11-2017)Alvéola-amarela (Motacilla flava) (21-10-2017)Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe)(11-10-2017)Papa-moscas-cinzento (Muscicapa striata) (11-10-2017)Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca) (11-10-2017)Gaio (Garrulus glandarius) (18-06-2017)Carriça (Troglodytes troglodytes) (01-04-2017)Andorinha-das-Chaminés (Hirundo rustica) (01-04-2017)Estorninho-preto (Sturnus unicolor) (01-04-2017)Cotovia-de-poupa (Galerida cristata) (01-04-2017)Melro-preto (turdus merula) (28-02-2017)Felosinha (Phylloscopus collybita) (25-02-2017)Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) (29-11-2016)Tentilhão-comum (Fringilla coelebs) (15-11-2016)Toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala) (15-11-2016)Pardal (Passer domesticus) (15-11-2016)Milheirinha (Serinus serinus) (15-11-2016)Verdilhão (Carduelis chioris) (15-11-2016)Alvéola-branca (Motacilla alba) (27-10-2016)Gralha-preta (Corvus corone) (19-10-2016)Trepadeira-comum (Certhia brachydactyla) (19-10-2016)

Toutinegras, andorinhas, felosinhas, verdilhões, gralhas, tentilhões, chascos-cinzentos, papa-moscas, taralhões... uns no inverno, uns no verão, alguns apenas de passagem na migração e outros todo o ano. Para quem quiser andar de "olhos abertos", há sempre um espectáculo colorido para ver.

 

Periquito-comum (Melopsittacus undulatus)Periquito-comum (Melopsittacus undulatus) (25-02-2017)

E uma das mais coloridas aves que por ali costumavam andar era esta pequena periquita, escapada de alguma gaiola. Observei-a durante uns dois anos, até que deixei de a ver. Qual terá sido o seu destino?

Outras aves menos exuberantes vivem por ali as suas vidas calmas. A maioria de nós não olha duas vezes para um pombo-doméstico ou para uma rola-turca, mas não deixam de ter a sua beleza...

Rola-turca (Streptopelia decaocto) (15-11-2016)Pombo-das-rochas-doméstico (Columba livia) (19-10-2016)

 

Há no entanto aves que, apesar de comuns, não passam despercebidas. O rabirruivo-preto é uma dessas aves, pelo descaramento com que se aproxima de nós humanos, chegando mesmo a reclamar para si partes das nossas casas... esta ave tem o hábito de se aproveitar de recantos, caixas de estores, buracos nas paredes, ou qualquer zona nas nossas casas que lhe possa servir de suporte para o ninho. O que talvez algumas pessoas não saibam é que este passarinho tem um "primo" que nos visita raras vezes, quando em migração para África. O rabirruivo-de-testa-branca foi uma das maiores surpresas que já encontrei na Marialva.

Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) (04-11-2017)Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) (01-04-2017)

 

Mas a maior surpresa foi outra. Duas aves das terras nórdicas que resolveram descer pela Península Ibérica e vir passar uns dias à Quinta da Marialva. Esta foi a única vez que observei esta espécie que é, para mim, o mais bonito dos tordos que ocorrem no nosso território:

Tordo-zornal (Turdus pilaris)

Tordo-zornal (Turdus pilaris)Tordo-zornal (Turdus pilaris) (26-11-2016)

 

Claro que há muito mais do que apenas aves naquele parque. A vegetação que cobre e circunda a vala, bem como algumas plantas por ali espalhadas e até a própria relva abrigam uma quantidade apreciável de pequenas criaturas.

Longicórnio (Cerambyx welensii)

Longicórnio (Cerambyx welensii) (10-06-2017)

 

Entre escaravelhos, caracóis, moscas, abelhas, aranhas, gafanhotos, vespas, cigarras, libelinhas, borboletas e mariposas, muitos outros invertebrados podem ser observados literalmente debaixo dos nossos pés, alguns deles bastante bem camuflados. Tenham cuidado com o que pisam...

Cigarrinha-verde (Cicadella viridis) (01-11-2020)Tira-olhos-menor (Anax parthenope) (26-09-2020)Mosca (Thereva sp.) (15-03-2020)Gorgulho (Lixus pulverulentus) (15-03-2020)Libelinha-anã (Ischnura pumilio) (13-03-2020)Abelhão-terrestre (Bombus terrestris) (13-03-2020)Axadrezada-comum (Carcharodus tripolina) (13-03-2020)Saltão-verde-maior (Tettigonia viridissima) (13-03-2020)Borboleta-da-couve (Pieris brassicae) (13-03-2020)Carochinha (Chrysolina bankii) (13-03-2020)Cigarrinha (Cercopis intermedia) (13-03-2020)Gafanhoto-ocre (Calliptamus barbarus) (04-08-2019)Vespa (Philanthus sp.) (04-08-2019)Cigarra-comum (Cicada orni) (04-08-2019)Libélula-de-nervuras-vermelhas (Sympetrum fonscolombii) (04-08-2019)Iscnura-Ibero-Magrebina (Ischnura graellsii) (21-07-2019)Mosca-das-flores (Paragus quadrifasciatus) (21-07-2019)Percevejo (Eurydema ornata) (21-07-2019)Mosca-das-flores (Eristalinus aeneus) (21-07-2019)Abelha (Halictus scabiosae) (21-07-2019)Mosca-das-flores (Eupeodes corollae) (21-07-2019)Gafanhoto (Calliptamus sp.) (21-07-2019)Mosca-das-flores (Sphaerophoria sp.) (21-07-2019)Vespa-do-papel-europeia (Polistes dominula) (21-07-2019)Mosca (Família Sarcophagidae) (21-07-2019)Mosca (Coenosia tigrina) (21-07-2019)Y-de-prata (Autographa gamma) (15-03-2020)Azul-comum (Polyommatus icarus) (21-07-2019)

 

Obviamente, onde há insectos, há os que se alimentam deles. Não é difícil encontrar por ali alguns répteis e anfíbios, como lagartos, rãs, osgas e até serpentes.

Lagartixa-verde (Podarcis virescens)Lagartixa-verde (Podarcis virescens) (28-02-2017)

Rã-verde (Pelophylax perezi) (26-09-2020)Osga-comum (Tarentola mauritanica) (28-02-2017)

 

Mesmo os locais que entendemos como "nossos" são inevitavelmente refúgio de muitas outras criaturas. Por muito que tenhamos a tendência de nos consideramos o centro do universo, devemos aprender a conviver com elas e a respeitá-las, pois todas têm um papel a cumprir na ordem natural das coisas. Se o conseguirmos, facilmente chegaremos à conclusão que, na verdade, cabemos cá todos...

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