País de clima temperado e variedade de paisagens, Portugal sempre foi um destino atractivo para visitantes de outras paragens. Isto é verdade para os humanos, mas vem também (cada vez mais) sendo verdade para outros animais - incluindo algumas aves.
Há muito que nos habituámos a ver os pequenos bicos-de-lacre como parte da nossa fauna, mas hoje em dia podemos também facilmente observar os áureos arcebispos e tecelões, bem como os bicos-de-chumbo e os mainás-de-crista. E que dizer dos vocais bandos de "papagaios" verdes (na verdade são periquitos) que deslumbram os transeuntes em Lisboa?
Todos estes bichos exóticos, embora acarretem potenciais impactos negativos para a biodiversidade nativa, oferecem um colorido diferente à fauna portuguesa, contrastante com as nossas "aborrecidas" e pardacentas aves autóctones, que apresentam formas e cores muito menos exuberantes.
Pois, também muito português é o terrivel hábito de desconsiderar o que é nosso, ignorando tantas vezes as maravilhas que temos em casa. Ainda assim, nos últimos anos, o paradigma parece ter mudado um pouco: fomos campeões, ganhámos festivais, somos cada vez mais reconhecidos e desejados pelos famosos... Quem diria, temos auto-estima.
E, que raios, (porque não dizê-lo?) temos também uma natureza fascinante.
E que tal um dia divertido a descobrir a biodiversidade do Parque da Paz, com família e amigos, sempre com o apoio de especialistas na matéria? No próximo dia 26 de Maio, traga espírito de explorador e venha conhecer de perto as muitas formas de vida que têm refúgio no pulmão da cidade de Almada. Inscreva-se!
Em paralelo, estará a decorrer o Almada Green Market, onde podem ser adquiridos produtos (hortícolas, artesanato e outros) de produção local e sustentável.
Nos últimos tempos, após saber-se que França se debatia com uma praga de mini sugadores de sangue, a internet portuguesa tem sido inundada com notícias sobre os percevejos, esses malvados vampiros! E cá no burgo não nos podíamos ficar com uma praga caseira, como por lá. Não, os nossos percevejos seguem as modas e, como tudo o que é mau ultimamente, são... asiáticos. (Será que têm os olhos em bico?)
A ladainha repete-se nos mais diversos recantos on-line, desde os grandes meios de comunicação nacionais, até aos pequenos periódicos regionais: "depois dos problemas em França, a praga chegou cá. Parece que os bichos vivem nas camas e só saem à noite para se alimentarem do nosso fluido vital, no entanto não são um problema de saúde pública, sendo apenas uma preocupação para agricultores e fruticultores. (Hã?!) Escondem-se nas madeiras da cama e nos colchões e são quase impossíveis de erradicar, mas deitam um odor desagradável quando esmagados." (então mas...)
Foram dias e dias a ler textos idióticos - aparentemente todos copiados uns dos outros - sem o menor rigor, sem o mínimo dos mínimos de investigação jornalística, com uma misturada de conceitos e de espécies digna de uma salada russa.
Felizmente, após algumas reclamações de quem percebe um bocadinho do assunto, lá começam a surgir alguns esclarecimentos pouco entusiásticos. Parece que afinal são espécies diferentes. Diz que "os nossos invasores" são inofensivos para as pessoas, pois só atacam plantas. A realidade é tão menos dramática, tão pouco dada a sensacionalismos...
No entanto, após tamanha entropia noticiosa, sobra uma questão pertinente: afinal, o que raios é um percevejo?
Em traços gerais, percevejo é o nome comum atribuído aos insectos pertencentes à subordem Heteroptera, que está contida na ordem Hemiptera (que também compreende as cigarras e as cigarrinhas).
Os infames percevejos-da-cama (bed bugs, em inglês) pertencem à Cimicidae, umas das muitas famílias dentro desta subordem dos percevejos. Estes insectos são parasitas externos e alimentam-se de sangue, como as pulgas ou as carraças. Já os agora famosos percevejos-asiáticos (Halyomorpha halys), pertencem a uma família totalmente dispar (Pentatomidae) e alimentam-se exclusivamente de plantas.
Estes últimos começam a ser de facto um problema em Portugal, como já o são há algum tempo na Europa, não por atacarem pessoas, mas porque, sendo uma espécie exótica invasora, têm causado graves prejuízos em explorações agrícolas. Já em 2019, a presença deste insecto no nosso país tinha dado origem a esclarecimentos do governo dirigidos aos agricultores e a seminários de instituições científicas.
Então, na prática, ambos são pragas. De natureza diferente, mas ainda assim pragas. Qual é o grande problema de toda esta confusão e desinformação? Os danos colaterais, diria eu...
À hora que escrevo estas linhas, existem 21.917 observações de 517 espécies de percevejos registadas na plataforma de "ciência cidadã" Biodiversity4All, em Portugal. Destas, apenas 5 observações são de 2 espécies de percevejos-da-cama: Cacodmus vicinus e Cimex lectularius. Incluem-se ainda 117 observações de percevejo-asiático.
Ora, baseando-nos apenas nos dados retirados desta plataforma e relembrando que ela é meramente um repositório de informação avulsa registada por cidadãos comuns, encontramos 3 espécies de insectos problemáticas. Três! Por oposição a 514 outras espécies de percevejos, na sua maioria autóctones e perfeitamente inofensivas.
Nestas matérias de biodiversidade, quando é lançada a confusão, seja por necessidade de sensacionalismo ou por incompetência dos media e até das entidades oficiais, geralmente há vítimas inocentes. Aconteceu, por exemplo, com o autóctone vespão-europeu (Vespa crabro) que, a reboque da cruzada anti vespa-asiática (Vespa velutina), se vê capturado nas armadilhas não selectivas de gente que não quer saber da sua importância ecológica e que não entende nem quer entender a diferença entre as espécies. E corre o risco de acontecer também com mais de meia centena de espécies autóctones de insectos que têm o azar de serem chamados de percevejos.
Estes animais, como polinizadores, têm uma função ecológica de extrema importância para os ecossistemas nativos e até para as nossas actividades agrícolas. É desolador pensar que, por terem um aspecto genérico semelhante a determinadas espécies ou até pelo mero facto de terem o mesmo nome comum, estes bichos possam vir a sofrer represálias derivadas do medo que nos é instigado por uma série de meios de comunicação social que, eles sim e ao contrário destes percevejos, estão sempre "sequiosos de sangue".
Percevejo (Heterotoma planicornis) Ribeira de Cabrela, Sintra (16-05-2021)
No próximo dia 28 de Maio vai decorrer o BioBlitz Parque da Paz, em Almada. As muitas actividades gratuitas, acompanhadas por especialistas, garantem diversão e aprendizagem para miúdos e graúdos, sempre com a natureza como pano de fundo.
As inscrições são limitadas a 25 participantes por saída de campo e podem ser efectuadas no link acima. As oficinas, exposições e jogos não necessitam de inscrição.
Em paralelo, estará a decorrer o Almada Green Market, onde podem ser adquiridos produtos (hortículas, artesanato e outros) de produção local e sustentável.
Coruja-das-torres (Tyto alba) Vila Franca de Xira (12-08-2021)
Estas belas aves nocturnas, em declínio no nosso país, convivem em relativa proximidade connosco, pelo que todos podemos ajudar a obter conhecimento sobre o número dos seus efectivos. Caso queiram participar no censo, basta seguir as instruções que estão no link que coloquei no início. Para esclarecimento de dúvidas, ou envio dados, podem contactar-me directamente através do endereço danny.bicho.do.mato@gmail.com.
O conhecimento é o primeiro passo para a conservação e a ciência cidadã pode ter uma palavra a dizer neste âmbito.
Para aqueles maluquinhos que fazem da observação de aves o seu hobbie (e às vezes a sua obsessão), as migrações primaveril (pré-nupcial) e outonal (pós-nupcial) apresentam oportunidades únicas de observação, pois trazem de passagem algumas espécies que dificilmente podemos observar noutras alturas do ano. A migração pós-nupcial é especialmente profícua, pois é no fim de verão/início de outono que as aves juvenis, nascidas mais a norte na Europa, empreendem a sua longa jornada a caminho de terras mais quentes... umas seguem para África, outras invernam por cá, na Península Ibérica.
Nesta época do ano, entre meados de agosto e meados de novembro (grosso modo), por todo o país surgem bichos de passagem, a caminho do Sul. É uma altura incrível, onde qualquer ave pode aparecer em qualquer sítio. Mas há um local específico para onde todos parecem convergir, tanto as aves como os observadores que as procuram.
Bem-vindos a Sagres, a capital da observação de aves em Portugal.
Mas o que torna esta região tão atractiva nesta altura do ano?
Bem, é sabido que ninguém nasce ensinado... nem mesmo os animais, por muito bons que sejam os seus instintos. Após a reprodução, com a diminuição de horas de luz do dia, as aves migratórias começam paulatinamente a encetar o seu percurso a caminho de paragens mais meridionais. Umas seguem em bando, outras de forma mais isolada, mas todas elas são empurradas para sul pela sua bússola interna. Sucede que os adultos, tendo já efectuado pelo menos uma migração anteriormente, têm o azimute mais afinado e seguem directos para Gibraltar, o ponto onde irão atravessar o Mediterrâneo.
Já os putos, mais inexperientes e destrambelhados, vão descendo o país um pouco mais "à toa", mais dependentes dos ventos e da orografia do terreno. Só "sabem" que têm que seguir mais ou menos para os lados do sul, mas não sabem a rota, pelo que muitos acabam por aproximar-se da costa oeste e utilizam o mar como rumo. No entanto, entrando na península de Sagres, voltam a dar de caras com o mar na costa sul, ficam baralhados e, muitas vezes, permanecem a circular ali na região vários dias até finalmente se orientarem e seguirem para Gibraltar.
Se há um espectáculo que merece ser visto pelo menos uma vez, por aqueles que têm fraquinho por estes bichos emplumados, é o de dezenas de indivíduos de várias espécies de aves planadoras a circular pelos céus, à procura do caminho para um sítio que nunca viram...
Mais para fins de outubro, é especialmente impressionante observar isto a suceder com bandos de centenas de grifos. Chega a haver milhares destas aves a circular pela região ao mesmo tempo.
Grifo (Gyps fulvus) Sagres (04-11-2021)
Não é, portanto, de estranhar que ali tenha nascido o Festival Observação de Aves & Atividades de Natureza de Sagres, que este ano teve a sua 13ª edição. Todos os anos, geralmente na semana do feriado do 5 de outubro, dezenas de visitantes de várias nacionalidades vão observar de perto a migração e participar nas diversas actividades disponibilizadas pela organização.
Mas as pessoas que se deslocam a Sagres nos inícios de outono não vão apenas à procura de rapinas. Entre aves residentes e migradoras, terrestres e marítimas, já foram observadas mais de 300 espécies na região. Há muito para ver...
Galheta (Gulosus aristotelis) Sagres (07-11-2021)Melro-de-colar (Turdus torquatus) Sagres (07-11-2021)Tordo-zornal (Turdus pilaris) Sagres (25-10-2019)Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Sagres (06-10-2017)Papa-moscas-preto (Ficedula hypoleuca) Sagres (06-10-2017)Casquilho (Oceanites oceanicus) ao largo de Sagres (06-10-2017)Alma-de-mestre (Hydrobates pelagicus) ao largo de Sagres (06-10-2017)Alcatraz (Morus bassanus) ao largo de Sagres (06-10-2017)Toutinegra-de-bigodes (Curruca iberiae) Sagres (05-10-2017)Papa-amoras-comum (Curruca communis) Sagres (05-10-2017)Mocho-galego (Athene noctua) Vila do Bispo (02-10-2016)Trigueirão (Emberiza calandra) Sagres (02-10-2016)Torcicolo (Jynx torquilla) Vila do Bispo (30-09-2016)Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) Vila do Bispo (30-09-2016)Corvo (Corvus corax) Sagres (07-11-2021)Pardela-balear (Puffinus mauretanicus) Sagres (36-10-2019)Melro-azul (Monticola solitarius) Boca do Rio (10-06-2016)Chasco-ruivo (Oenanthe hispanica) Sagres (10-06-2016)
Entre todas estas espécies, há sempre algumas que chamam mais a atenção ou geram mais procura, quer seja por serem especialidades da região, ou por serem aves mais incomuns ou até raras.
Com tantas aves a circular na zona, é inevitável que acabem por interagir connosco e com o nosso modo de vida.
Esta interacção é especialmente preocupante nos parques eólicos da região, que representam um perigo muito real para grandes planadoras, como águias, cegonhas e abutres. As empresas gestoras destes parques contratam, no período mais crítico do ano, consultoras que colocam equipas no terreno, garantindo uma monitorização permanente. Estas equipas dispõem inclusivamente da capacidade de parar os geradores, em caso de perigo eminente. Felizmente, estas medidas de mitigação têm mostrado ser bastante eficientes.
Outras interacções aves/humanos podem parecer mais inócuas, mas nem sempre é bem assim.
Os extra-maluquinhos que se decidam a levantar bem cedo para dar uma volta pela zona, arriscam-se a ter surpresas como dar de caras com um bando de dezenas ou até centenas de abutres a dormitar no chão. Claro que a tentação de nos aproximarmos é bastante difícil de resistir... as fotos que poderíamos conseguir, se chegássemos perto...
No entanto, os resultados disso tendem a ser bastante perniciosos para as aves. O mais provável é que estas se vão assustar e levantar voo mais cedo do que o suposto, acabando por não descansar tanto quanto precisavam. Não esqueçamos que são aves enormes, a meio de uma viagem de milhares de km... toda a energia poupada é preciosa.
E, se os fizermos levantar voo assustados nas imediações de um parque eólico, mais do que meramente pernicioso, o resultado pode ser catastrófico.
Grifos (Gyps fulvus) Sagres (07-11-2021)
De qualquer forma, podemos apreciar à distância e até conseguir algumas fotos sem incomodar os bichos. Basta que tenhamos em mente mais o seu interesse do que o nosso.
As fotos acima foram todas conseguidas a uma distância segura, de dentro do carro, parado na berma de uma estrada alcatroada. Não serão imagens tecnicamente perfeitas, mas são excelentes recordações de um incrível "momento National Geographic", num dia em que decidi dar uma volta à toa, ao nascer do dia, sem percurso nem destino definidos.
Definitivamente, no outono, Sagres é o ponto de encontro dos que não sabem o caminho...
Goste-se ou não das questões religiosas que lhe estão inerentes, é inegável que a Jornada Mundial da Juventude é um marco importante no calendário anual de eventos de qualquer país. Portugal não é excepção e, com o acolhimento em Lisboa desta jornada em 2023, começam a notar-se movimentações na cidade, tanto a nível político como logístico.
Após a descontaminação da área envolvente e do isolamento dos resíduos no seu interior, o aterro de Beirolas foi preenchido com terras adequadas ao desenvolvimento de vegetação e foi assim deixado. É sabido que a natureza prospera onde o Homem abandona... ora, protegido de presença humana por vedações, este terreno foi reclamado pela vegetação e ali encontraram protecção e alimento várias espécies de insectos, aves e pequenos mamíferos, entre outros bichos.
Perdiz-vermelha (Alectoris rufa) Aterro sanitário de Beirolas (27-08-2020)
Este espaço onde agora vai nascer o novo jardim, foi berço de ninhadas de perdizes, fuinhas-dos-juncos e cartaxos. Foi protecção e alimento para patos, pardais, rolas, trigueirões, toutinegras-dos-valados, bicos-de-lacre, milheirinhas, pegas-rabudas, entre tantas outras espécies.
Foi também terreno de caça, patrulhado por predadores em busca dos pequenos seres que ali se protegiam. Aves de rapina como a águia-d'asa-redonda, a águia-sapeira e o peneireiro eram presenças regulares e também as garças-reais facilmente podiam ser observadas por ali, à procura de répteis, ratos e invertebrados...
No fim do verão/início do outono, os migradores de passagem aproveitavam a abundância de alimento e a protecção das ervas altas e do viveiro de árvores abandonado, para ali retemperar as preciosas energias antes de prosseguirem viagem para África.
Hoje, reina o pó e o barulho das máquinas. Do prado exuberante restam uns pastos amachucados e das árvores do viveiro sobram meia dúzia, que possivelmente ficarão no futuro jardim, testemunhas daquilo que foi, mas que não mais voltará a ser.
Por ora, ainda podemos observar pegas, perdizes, estorninhos e várias outras aves que vão encontrando alimento por entre os torrões revirados, mas findas as obras de fundo e começados os trabalhos de "paisagismo", só sobrarão as "aves de jardim", iguais a todas as outras que podem ser vistas nos relvados ali mais a jusante. Não mais veremos as pegas e as ninhadas de perdizes, nem o deslizar das icónicas rapinas, nos seus calmos voos predatórios. As miríades de insectos polinizadores que ali faziam a sua vida, terão que procurar outros espaços. Este pertence aos humanos.
Plantas exóticas, infrastruturas e equipamentos de desporto e lazer, cimento, plástico e metal a rodearem relvados insustentáveis, de aspecto artificial... é insaciável, a nossa sede por moldar o mundo à imagem da nossa concepção de beleza (talvez um dia - ideia louca - alguém nos ensine a apreciar a pureza da natureza, ao invés de a moldar aos nossos desígnios). Ali ao lado, nasce uma ponte para atravessar o Trancão e, aparentemente, entrar com mais um passadiço pelo sapal a dentro. Quando toca ao mundo natural, não há refúgio que não violemos ou santuário que não profanemos...
Vamos ter mais jardins, mais zonas de lazer e mais passadiços. Mais pessoas a andar, correr, saltar e pedalar enquanto falam, riem e gritam. A cidade irá, indubitavelmente, ficar mais bonita...
Eu? Eu estou apenas triste.
Perdiz-vermelha (Alectoris rufa) Aterro sanitário de Beirolas (12-07-2022)
A maior parte das pessoas, quando imagina um jardim agradável, visualiza um relvado espaçoso e bem aparado, com sombras frescas, onde as crianças possam brincar e os adultos descansar. E, na verdade, a maior parte dos nossos jardins e parques urbanos estão assim idealizados, afinal esses espaços existem exclusivamente para nosso usufruto, não é?
Abelha-melífera-ibérica (Apis mellifera iberiensis) Santa Marta do Pinhal (13-03-2022)
Bem, essa é a forma como tendemos a ver a coisa, mas na realidade há muito mais "interessados" nesses nossos espaços de lazer. Uma miríade de pequenos insectos (entre eles as tão úteis e cada vez mais ameaçadas abelhas-melíferas) frequenta os nossos parques e jardins e depende muitas vezes deles para sobreviver nos meios extremamente humanizados das nossas cidades.
Escaravelho (Stenopterus mauritanicus) Santa Marta do Pinhal (24-04-2020)
No entanto, esta nossa filosofia de espaços verdes está longe de ser a mais sustentável, a vários níveis. Para além da absurda quantidade de água necessária para manter um relvado e da poluição causada pelos cortadores de relva, o corte constante impede as plantas de se desenvolverem e de florirem, roubando assim a estes pequenos seres a sua alimentação e os seus suportes de procriação.
Mosca-imita-vespa (Volucella zonaria) Cercal do Alentejo (10-08-2021)Lagarta de borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon) Jamor (02-10-2021)Percevejo‑do‑solo (Spilostethus pandurus) Cercal do Alentejo (10-08-2021)Jaquetão-das-flores-mediterrânico (Oxythyrea funesta) Santa Marta do Pinhal (08-04-2022)
Nos tempos que correm, há um crescente entendimento acerca das nossas interacções com a natureza e, felizmente, vamos tendo uma mais correcta noção da importância dos outros seres vivos no nosso dia-a-dia e até nas nossas actividades económicas. Sabemos hoje que os polinizadores são extremamente importantes para as nossas produções de frutos e produtos hortícolas e compreendemos cada vez melhor a necessidade de os proteger.
Almirante-vermelho (Vanessa atalanta) Santa Marta do Pinhal (22-03-2020)
Portanto, a exagerada humanização das nossas áreas verdes urbanas não é uma questão de somenos. É um assunto premente que, nos países em que existe uma maior consciencialização ambiental, já está a ser tido em consideração há bastante tempo, como podemos verificar em projectos como o No Mow May, no Reino Unido.
Este tipo de coisas costuma demorar a chegar cá ao nosso burgo, mas, afortunadamente, lá acaba por chegar. Alguns municípios, como são exemplo Oeiras, Ílhavo e Alenquer, já estão sensibilizados para esta questão e já permitem que, em algumas áreas e durante alguns períodos do ano, as "ervas daninhas" cresçam e completem o seu ciclo de vida. Em Lisboa, a FCUL foi mesmo mais longe e está a apostar na criação de mini-florestas em substituição de relvados.
Escaravelho (Hymenoplia sp.) Santa Marta do Pinhal (24-04-2020)Longicórnio (Calamobius filum) Santa Marta do Pinhal (23-04-2020)Carochinha (Chrysolina bankii) Corroios (13-03-2020)Percevejo (Eurydema ornata) Corroios (21-07-2019)Percevejo-do-funcho (Graphosoma italicum) Trafaria (15-06-2019)Escaravelho-florícola (Anthoplia floricola) Castelo de Vide (08-06-2019)
Estas acções, por importantes que sejam, não dispensam a necessidade de um crescente investimento na educação ambiental. É preciso que os comum cidadão entenda o porquê destes jardins serem aparentemente deixados ao abandono, é preciso envolver a população através de projectos como BioBlitzs ou construções de estruturas como hotéis para insectos, que podem ser levados a cabo por autarquias, escolas ou associações.
Por muito que um relvado aparado e cuidado nos possa parecer atractivo, se deixarmos crescer as plantas, se permitirmos que os ciclos naturais se completem e se prestarmos atenção, olhando com olhos de ver, não é difícil observar toda a vida e toda a incrível beleza que existe nos "jardins de ervas daninhas".
Alvos de mitos e crendices desde tempos imemoriais, os sapos são ainda hoje vistos como criaturas repugnantes e maléficas, ligadas a bruxarias e maldições. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade.
Os anuros, ordem da classe Amphibia à qual pertencem os sapos (tal como as rãs e as relas), são animais delicados, belos e extremamente úteis. Para além de ajudarem a controlar as populações de insectos e outros invertebrados, estes bichos são excelentes bio-indicadores que permitem aferir a qualidade dos ecossistemas.
Longe de ser a minha especialidade, confesso que os anfíbios são um grupo de animais que exerce algum fascínio sobre mim, pelo que vou lendo algumas coisas e tentando aprender o que consigo sobre eles. Entre sapos, rãs e relas, a ordem Anura compreende doze espécies autóctones no território continental português. Infelizmente, ainda só consegui observar no campo oito delas....
Terá sido, possivelmente, o aspecto "verrugoso" da pele de algumas espécies que deu origem às crenças de que os sapos causam verrugas a quem lhes tocar. Obviamente, não há qualquer fundamento nestes receios. No entanto, as afirmações de que estes animais são "peçonhentos" não são totalmente infundadas. Os sapos possuem junto à cabeça um par de glândulas chamadas parótidas, que segregam uma substância tóxica leitosa. Ainda assim, essa estratégia de defesa contra predadores é perfeitamente inócua para ao ser humano (a não ser que alguém tenha brilhante a ideia de tentar morder um sapo). Estas glândulas são especialmente desenvolvidas nas duas espécies da família Bufonidae presentes no nosso território: o sapo-comum e o sapo-corredor.
Sapo-comum (Bufo spinosus) Sagres (25-10-2019)
Dependentes da humidade até para conseguirem respirar pela pele, os sapos não vivem na água, mas nunca andam muito longe de zonas alagadas, pelo que as alturas mais fáceis para os conseguir observar é aquando das primeiras chuvas do outono e primavera, quando eles se dirigem às poças temporarias para procriar e depositar os seus ovos. Quando os girinos nascem, podemos vê-los às centenas nestas poças.
Amplexo de sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-12-2021)
Girinos de sapo-comum (Bufo spinosus) Seixal (13-02-2021)
Os sapos adultos podem variar muito de tamanho, dependendo da espécie. Num dos extremos, temos a fêmea de sapo-comum, que pode atingir os 21 cm de comprimento, ao passo que no outro extremo, temos os indivíduos das duas espécies de sapinho-de-verrugas-verdes, que não ultrapassam os 4,5 cm.
Ao nível da coloração, dependendo das espécies, predominam os tons acastanhados e esverdeados. Aqui destaca-se o sapo-corredor, que apresenta alguma variação de tons e padrões, podendo ir de um padrão amarelo-acastanhado, muito semelhante ao do sapo-comum, passando por um amarelado manchado de verde, até aos padrões mais bonitos (na minha opinião) de base esbranquiçada, com manchas escuras e rosadas.
Mas, na verdade, o que são sapos? Como se distinguem das rãs? Bem, pelo que pude apurar, não há uma distinção científica que os separe assim tão linearmente. Ainda assim, existem alguns traços que os definem e nos permitem classificá-los nesses termos. Por exemplo, as rãs possuem dentes e os sapos não. Além disso, as rãs vivem em meio aquático, ao passo que os sapos são terrestres e apenas andam dentro de água quando se pretendem reproduzir.
Há uma tendência popular de chamar sapos aos anuros de pele rugosa e rãs aos de pele lisa, mas esta separação não é tão rigorosa quanto isso. Por exemplo, a chamada rã-de-focinho-pontiagudo tem a pele lisa mas é, na realidade, um sapo. É um animal terrestre que depende de massas de água apenas para se reproduzir.
Já as verdadeiras rãs vivem na água toda a sua vida. Menos mal-vistas que os seus "primos" sapos, elas fazem as delícias das crianças nos lagos de parques e jardins... talvez pelo facto de possuírem uma pele lisa e brilhante, sem as pseudo-verrugas que tão facilmente nos causam repulsa.
Rã-verde (Pelophylax perezi) Almada (19-06-2019)
Em Portugal ocorrem duas espécies de verdadeiras rãs, sendo que a rã-verde apenas ocorre na península ibérica e no sul de França e a rã-ibérica é mesmo endémica da nossa península (em Portugal, só ocorre na metade norte do território).
Rã-ibérica (Rana iberica) Vale de Cambra (08-09-2018)
As relas também são, por vezes, chamadas de rãs. Mas a sua ecologia difere bastante destas últimas, pois são animais arborícolas que que se refugiam na vegetação emergente nas orlas de charcos, ribeiros ou zonas alagadas. Os seus dedos terminam numa ventosa que lhes permite agarrarem-se eficientemente ao trepar pelos os arbustos. A sua cor verde brilhante pode fazer pensar que serão fáceis de encontrar, mas longe disso... é bastante difícil dar com uma, mesmo que a estejamos a ouvir cantar ali ao lado.
Rela-comum (Hyla molleri) Estarreja (23-02-2020)
Apesar de não terem o "glamour" das suas primas rãs e relas, os sapos são criaturas belas e cheias de personalidade, assim consigamos esquecer a nossa tão mal direccionada repulsa e observá-las à luz da curiosidade científica. Quando encontrarmos um destes bichos por aí, vale a pena parar uns minutos para tentar compreender as suas interacções com o meio e até mesmo connosco. Depois sim, ao transmitirmos a alguém aquilo que aprendemos com essa experiência, vamos poder afirmar: "Eu vi um sapo..."
Cinco anos atrás, dava eu os meus primeiros passos a sério nesta actividade. Apesar de ter crescido no campo, nunca tinha observado a natureza de forma tão exuberante, tão... selvagem, como nas primeiras vezes em que visitei a lezíria.
Palavra alguma poderá descrever a sensação de pequenez e deslumbre... nem tampouco meras imagens farão jamais justiça a tal espectáculo da natureza, mas fica uma vã tentativa de captar um inenarrável momento.
Talvez este vídeo consiga explicar, em parte, o porquê desta minha paixão.
Íbis-preta (Plegadis falcinellus) Lezíria Grande de Vila Franca de Xira (10-12-2016)
Sim, estas coisas ocorrem cá. E a uns breves minutos de distância da capital...