Jardins de ervas daninhas
A maior parte das pessoas, quando imagina um jardim agradável, visualiza um relvado espaçoso e bem aparado, com sombras frescas, onde as crianças possam brincar e os adultos descansar. E, na verdade, a maior parte dos nossos jardins e parques urbanos estão assim idealizados, afinal esses espaços existem exclusivamente para nosso usufruto, não é?
Abelha-melífera-ibérica (Apis mellifera iberiensis) Santa Marta do Pinhal (13-03-2022)
Bem, essa é a forma como tendemos a ver a coisa, mas na realidade há muito mais "interessados" nesses nossos espaços de lazer. Uma miríade de pequenos insectos (entre eles as tão úteis e cada vez mais ameaçadas abelhas-melíferas) frequenta os nossos parques e jardins e depende muitas vezes deles para sobreviver nos meios extremamente humanizados das nossas cidades.
Escaravelho (Stenopterus mauritanicus) Santa Marta do Pinhal (24-04-2020)
No entanto, esta nossa filosofia de espaços verdes está longe de ser a mais sustentável, a vários níveis. Para além da absurda quantidade de água necessária para manter um relvado e da poluição causada pelos cortadores de relva, o corte constante impede as plantas de se desenvolverem e de florirem, roubando assim a estes pequenos seres a sua alimentação e os seus suportes de procriação.
Nos tempos que correm, há um crescente entendimento acerca das nossas interacções com a natureza e, felizmente, vamos tendo uma mais correcta noção da importância dos outros seres vivos no nosso dia-a-dia e até nas nossas actividades económicas. Sabemos hoje que os polinizadores são extremamente importantes para as nossas produções de frutos e produtos hortícolas e compreendemos cada vez melhor a necessidade de os proteger.
Almirante-vermelho (Vanessa atalanta) Santa Marta do Pinhal (22-03-2020)
Portanto, a exagerada humanização das nossas áreas verdes urbanas não é uma questão de somenos. É um assunto premente que, nos países em que existe uma maior consciencialização ambiental, já está a ser tido em consideração há bastante tempo, como podemos verificar em projectos como o No Mow May, no Reino Unido.
Este tipo de coisas costuma demorar a chegar cá ao nosso burgo, mas, afortunadamente, lá acaba por chegar. Alguns municípios, como são exemplo Oeiras, Ílhavo e Alenquer, já estão sensibilizados para esta questão e já permitem que, em algumas áreas e durante alguns períodos do ano, as "ervas daninhas" cresçam e completem o seu ciclo de vida. Em Lisboa, a FCUL foi mesmo mais longe e está a apostar na criação de mini-florestas em substituição de relvados.
Estas acções, por importantes que sejam, não dispensam a necessidade de um crescente investimento na educação ambiental. É preciso que os comum cidadão entenda o porquê destes jardins serem aparentemente deixados ao abandono, é preciso envolver a população através de projectos como BioBlitzs ou construções de estruturas como hotéis para insectos, que podem ser levados a cabo por autarquias, escolas ou associações.
Mosca-abelhão (Bombylius cruciatus) Seixal (08-05-2020)
Por muito que um relvado aparado e cuidado nos possa parecer atractivo, se deixarmos crescer as plantas, se permitirmos que os ciclos naturais se completem e se prestarmos atenção, olhando com olhos de ver, não é difícil observar toda a vida e toda a incrível beleza que existe nos "jardins de ervas daninhas".