O concelho do Seixal tem alguns locais com excelentes condições para a Observação de Natureza, principalmente ao nível da avifauna. Desde que tomei residência no concelho, tenho vindo a explorar alguns destes locais com o intuito de ir registando e inventariando a biodiversidade que por aqui encontro. O resultado dos meus esforços, bem como dos esforços de muitas outras pessoas, pode ser verificado num projecto na plataforma iNaturalist, que já conta com mais de 9000 observações de cerca de 1400 espécies, registadas por mais de 160 observadores:
Junto a Santa Marta do Pinhal existe o Parque Urbano da Quinta da Marialva, uma zona de lazer equipada com um circuito de manutenção, um parque geriátrico, um percurso pavimentado, vários relvados, um campo de basquetebol, um campo pelado de futebol, um parque infantil, uma zona de churrascos, um anfiteatro ao ar livre com palco para concertos e um pavilhão multiusos. Aqui ocorrem alguns eventos como a "Mostra de actividades económicas" (vulgo feira) mensal, as Festas de Corroios, ou a Feira Medieval de Corroios. Este parque é utilizado diariamente por dezenas de pessoas para fazer desporto, passear os cães, brincar com as crianças ou simplesmente passear e apanhar sol.
Não se pode dizer que seja um local com grandes valores naturais, uma vez que, tal como a maioria dos jardins no Seixal, é bastante insípido e despido de vegetação, mantendo apenas algumas árvores de médio/grande porte e uns poucos arbustos. Tem, no entanto, uma vala de escoamento de águas pluviais que consegue ser suporte para um ecossistema interessante e variado.
Bico-de-lacre (Estrilda astrild) (13-10-2016)
Ao nível da avifauna, este parque tem 62 espécies registadas, sendo a maioria aves comuns que podem ser encontradas em qualquer outro parque ou jardim. Na vala facilmente encontraremos os exóticos bicos-de-lacre, fuinhas-dos-juncos, uma ocasional carriça, talvez uma alvéola ou duas e até um casal de patos-reais. Nos relvados pululam os melros e as invernantes petinhas-dos-prados, aparece uma cotovia de vez em quando, circulam os inevitáveis pardais e os estridentes estorninhos, em busca de vermes para se alimentarem. As árvores dão abrigo a piscos, pintassilgos, milheirinhas, gaios, trepadeiras, chapins e uma série de outros passeriformes.
Toutinegras, andorinhas, felosinhas, verdilhões, gralhas, tentilhões, chascos-cinzentos, papa-moscas, taralhões... uns no inverno, uns no verão, alguns apenas de passagem na migração e outros todo o ano. Para quem quiser andar de "olhos abertos", há sempre um espectáculo colorido para ver.
E uma das mais coloridas aves que por ali costumavam andar era esta pequena periquita, escapada de alguma gaiola. Observei-a durante uns dois anos, até que deixei de a ver. Qual terá sido o seu destino?
Outras aves menos exuberantes vivem por ali as suas vidas calmas. A maioria de nós não olha duas vezes para um pombo-doméstico ou para uma rola-turca, mas não deixam de ter a sua beleza...
Há no entanto aves que, apesar de comuns, não passam despercebidas. O rabirruivo-preto é uma dessas aves, pelo descaramento com que se aproxima de nós humanos, chegando mesmo a reclamar para si partes das nossas casas... esta ave tem o hábito de se aproveitar de recantos, caixas de estores, buracos nas paredes, ou qualquer zona nas nossas casas que lhe possa servir de suporte para o ninho. O que talvez algumas pessoas não saibam é que este passarinho tem um "primo" que nos visita raras vezes, quando em migração para África. O rabirruivo-de-testa-branca foi uma das maiores surpresas que já encontrei na Marialva.
Mas a maior surpresa foi outra. Duas aves das terras nórdicas que resolveram descer pela Península Ibérica e vir passar uns dias à Quinta da Marialva. Esta foi a única vez que observei esta espécie que é, para mim, o mais bonito dos tordos que ocorrem no nosso território:
Tordo-zornal (Turdus pilaris) (26-11-2016)
Claro que há muito mais do que apenas aves naquele parque. A vegetação que cobre e circunda a vala, bem como algumas plantas por ali espalhadas e até a própria relva abrigam uma quantidade apreciável de pequenas criaturas.
Longicórnio (Cerambyx welensii) (10-06-2017)
Entre escaravelhos, caracóis, moscas, abelhas, aranhas, gafanhotos, vespas, cigarras, libelinhas, borboletas e mariposas, muitos outros invertebrados podem ser observados literalmente debaixo dos nossos pés, alguns deles bastante bem camuflados. Tenham cuidado com o que pisam...
Obviamente, onde há insectos, há os que se alimentam deles. Não é difícil encontrar por ali alguns répteis e anfíbios, como lagartos, rãs, osgas e até serpentes.
Mesmo os locais que entendemos como "nossos" são inevitavelmente refúgio de muitas outras criaturas. Por muito que tenhamos a tendência de nos consideramos o centro do universo, devemos aprender a conviver com elas e a respeitá-las, pois todas têm um papel a cumprir na ordem natural das coisas. Se o conseguirmos, facilmente chegaremos à conclusão que, na verdade, cabemos cá todos...
Vivemos tempos negros. Recolhimento e distanciamento social são as palavras de ordem, numa desesperada tentativa de ganhar vantagem nesta batalha contra um vilão invisível. Uma arma biológica dos americanos, dizem uns, uma estratégia económica dos chineses, alvitram outros. Há quem opine que é uma tentativa desesperada dos ambientalistas de nos ensinar uma lição, tal como há quem acredite que este não passa de mais um sistema de auto-defesa da natureza, apenas mais eficiente do que os últimos. Teorias sobre a origem desde momento geracionalmente marcante que vivemos, há para todos os gostos... podemos dar-lhes crédito ou não. Mas as consequências, essas são inolvidáveis: medo, desconfiança, incerteza, doença, morte.
Entretanto, indiferente aos dramas humanos, a natureza seguiu o seu curso e... prosperou. Sem a agitação do movimento constante de embarcações, as águas de Veneza estão tão límpidas que permitem ver os peixes no fundo (as tão propaladas imagens de golfinhos nos canais provaram-se falsas). Com o recolhimento da população, com o abrandamento da industria e do tráfego aéreo, a mancha de poluição sobre a China diminuiu drasticamente, brutalmente mesmo...
Por cá, paulatinamente e quase sem que déssemos por tal, a primavera chegou e envolveu-nos em sons, cheiros e cores.
Rubi (Callophrys rubi) Seixal (23-03-2020)
Enquanto na natureza mais um ciclo se completa e outro se inicia, uma nova e estranha realidade apanhou-nos a todos mais ou menos desprevenidos e cada um de nós vai lidando com ela o melhor que pode e sabe. Pessoalmente, a decretada e óbvia necessidade de distanciamento social na verdade não trouxe grandes alterações às minhas rotinas. Apesar de gostar da companhia de um ou outro bicho-do-mato, estou habituado a andar pelos campos sozinho e até posso dizer que é algo que realmente aprecio.
"Têm de ficar em casa." Se o distanciamento social não é grandemente problemático para mim, o dever de recolhimento mexe bastante com os meus processos. Com muito tempo livre e sem uma justificação válida para fazer as minhas mais extensas saídas de campo, tive que me readaptar. Com algumas excepções, é-nos permitido algum tempo no exterior para "passeios higiénicos", chamou-lhes o PM. Podemos ir caminhar, correr ou andar um pouco de bicicleta, sempre dentro daquilo a que a responsabilidade social nos obriga: devemos fazê-lo sozinhos, evitando contactos com outras pessoas.
Dada a conjuntura, porque não transformar uma limitação numa oportunidade? Sem poder sair para sítios mais atractivos ao nível de observação da natureza, desafiei-me a mim próprio a fazer um reconhecimento mais aprofundado da biodiversidade nas redondezas da minha "toca".
Passeios higiénicos ao meu estilo... a ver bichos. Estas breves saídas de um par de horas, num raio de uns 300 metros de casa, têm-me vindo a trazer encontros expectáveis e até a proporcionar algumas agradáveis surpresas.
Pequenos prados de flores coloridas albergam miríades de insectos, aranhas e outros invertebrados. Basta andar com atenção e podem observar-se criaturas de todos os tamanhos e feitios.
Y-de-prata (Autographa gamma) Seixal (22-03-2020)
Nas copas dos sobranceiros pinheiros de ar inóspito podem ouvir-se várias espécies de aves, empenhadas nos seus cantos primaveris de sedução... shhhh, não façam barulho, vamos tentar ver alguma.
Milheirinha (Serinus serinus) Seixal (24-03-2020)
E mesmo um aparentemente vazio caminho de terra batida pode proporcionar encontros com bichos de apecto curioso.
Para termos o privilégio de assistir aos miraculosos espectáculos da natureza que se desenrolam ao nosso redor, só precisamos de andar com atenção, centrarmo-nos menos em nós próprios e não deixar que a nuvem negra que actualmente paira sobre as nossas cabeças nos impeça de apreciar o mundo que nos rodeia.
A atenção aos pequenos detalhes, aos sons mais ténues ou aos movimentos mais dissimulados pode recompensar-nos com visões incomuns que, transportando-nos para as fábulas da nossa infância, nos fazem imaginar mundos repletos de criaturas fantásticas.
Se até num frio e estéril bloco de cimento podemos encontrar vida e beleza, porque não haveremos de acreditar que as coisas vão melhorar, que vamos aprender com esta lição e que vamos sair disto mais fortes, mais aptos e com mais respeito por este planeta que nos acolhe?
Olhamos lá para fora e vemos que, apesar das dificuldades (muitas delas criadas por nós), os animais adaptam-se, sobrevivem, prosperam, procriam. Sigamos o exemplo, temos muito a aprender com eles...
Enquanto pudermos vamos fazendo as actividades que nos permitem manter a sanidade mental, mas vamos ser cívicos, vamos evitar o contacto uns com os outros, vamos adoptar as recomendações que nos são transmitidas e vamos ganhar esta guerra.
Se há lição que a primavera nos traz é que, independentemente do rigor dos invernos, o sol volta sempre a brilhar e toda a vida se renova.
Avistado com frequência nas nossas aldeias e vilas (principalmente no norte e centro do país), podemos encontrar o rabirruivo-preto também em castelos, casas de pedra, ruínas e em zonas escarpadas do litoral. Esta pequena ave insectivora é essencialmente residente mas a sua população é reforçada no outono e inverno por migradores chegados de norte.
Menos bem distribuído, o seu congénere rabirruivo-de-testa-branca é comum apenas em algumas regiões do território e, apesar de poder viver em zonas humanizadas, prefere um habitat mais florestal, como montados ou carvalhais.
Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Quinta da Marialva - Corroios (04-11-2017)
Sendo uma ave cosmopolita e por isso habituada à presença humana, é frequente que o rabirruivo-preto nidifique em buracos ou reentrâncias de casas e prédios (há vários relatos de ninhos em caixas de estores).
Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) ♂ Quinta da Marialva - Corroios (01-04-2017)
Já o seu "primo" de testa branca, embora também possa construir o seu ninho em edificações, tende a preferir buracos de árvores ou rochas.
Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) Quinta da Marialva - Corroios (04-11-2017)
Até ao momento, foram registadas 54 espécies de aves neste parque urbano da Quinta da Marialva em Corroios. Algumas invernantes, outras estivais e também algumas residentes, como um casal nidificante de rabirruivos-pretos, extremamente tolerantes aos seres humanos que por ali passeiam todos os dias.
Ocorrem também amiúde alguns migradores de passagem, principalmente entre o final de agosto e meados de novembro. Encontrar uma destas aves é sempre uma agradável surpresa e foi exactamente esse o caso deste rabirruivo-de-testa-branca. Terá ido visitar os "primos"?
[EN]
Redstart cousins
Frequently spotted in portuguese villages and towns (mainly in the north and center of the country), we can also find black redstarts in castles, stone houses, ruins and cliffs at coastal areas. This small insectivorous bird is essentially resident but its population increases in the fall and winter with migrators from the north. Less well distributed, its congener common redstarter is common only in some regions of the territory and although it may live in humanized areas, it prefers a more forested habitat, such as oak and cork oak woods.
Being a cosmopolitan bird and therefore accustomed to human presence, it is common for the black redstart to nest in holes or recesses of houses and buildings (there are several reports of nests in boxes of blinds). His white-headed "cousin", though he may also build his nest in buildings, tends to prefer holes in trees or rocks.
To date, 54 bird species have been registered in this urban park of Quinta da Marialva in Corroios. Some are just wintering, some arrive in summer and there are also some residents like a nesting couple of black redstarts, extremely tolerant to the humans who walk around every day.
There are also a number of migratory passers-by, especially between late August and mid-November. Finding one of these birds is always a pleasant surprise and that is exactly the case for this common redstart. Could he be visiting his "cousins"?