Eu vi um sapo
Alvos de mitos e crendices desde tempos imemoriais, os sapos são ainda hoje vistos como criaturas repugnantes e maléficas, ligadas a bruxarias e maldições. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade.
Os anuros, ordem da classe Amphibia à qual pertencem os sapos (tal como as rãs e as relas), são animais delicados, belos e extremamente úteis. Para além de ajudarem a controlar as populações de insectos e outros invertebrados, estes bichos são excelentes bio-indicadores que permitem aferir a qualidade dos ecossistemas.
Sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-02-2021)
Longe de ser a minha especialidade, confesso que os anfíbios são um grupo de animais que exerce algum fascínio sobre mim, pelo que vou lendo algumas coisas e tentando aprender o que consigo sobre eles. Entre sapos, rãs e relas, a ordem Anura compreende doze espécies autóctones no território continental português. Infelizmente, ainda só consegui observar no campo oito delas....
Sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes) Seixal (27-02-2021)
Terá sido, possivelmente, o aspecto "verrugoso" da pele de algumas espécies que deu origem às crenças de que os sapos causam verrugas a quem lhes tocar. Obviamente, não há qualquer fundamento nestes receios. No entanto, as afirmações de que estes animais são "peçonhentos" não são totalmente infundadas. Os sapos possuem junto à cabeça um par de glândulas chamadas parótidas, que segregam uma substância tóxica leitosa. Ainda assim, essa estratégia de defesa contra predadores é perfeitamente inócua para ao ser humano (a não ser que alguém tenha brilhante a ideia de tentar morder um sapo). Estas glândulas são especialmente desenvolvidas nas duas espécies da família Bufonidae presentes no nosso território: o sapo-comum e o sapo-corredor.
Sapo-comum (Bufo spinosus) Sagres (25-10-2019)
Dependentes da humidade até para conseguirem respirar pela pele, os sapos não vivem na água, mas nunca andam muito longe de zonas alagadas, pelo que as alturas mais fáceis para os conseguir observar é aquando das primeiras chuvas do outono e primavera, quando eles se dirigem às poças temporarias para procriar e depositar os seus ovos. Quando os girinos nascem, podemos vê-los às centenas nestas poças.
Amplexo de sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-12-2021)
Girinos de sapo-comum (Bufo spinosus) Seixal (13-02-2021)
Os sapos adultos podem variar muito de tamanho, dependendo da espécie. Num dos extremos, temos a fêmea de sapo-comum, que pode atingir os 21 cm de comprimento, ao passo que no outro extremo, temos os indivíduos das duas espécies de sapinho-de-verrugas-verdes, que não ultrapassam os 4,5 cm.
Sapinho-de-verrugas-verdes-português (Pelodytes atlanticus) Seixal (27-12-2021)
Ao nível da coloração, dependendo das espécies, predominam os tons acastanhados e esverdeados. Aqui destaca-se o sapo-corredor, que apresenta alguma variação de tons e padrões, podendo ir de um padrão amarelo-acastanhado, muito semelhante ao do sapo-comum, passando por um amarelado manchado de verde, até aos padrões mais bonitos (na minha opinião) de base esbranquiçada, com manchas escuras e rosadas.
Sapo-corredor (Epidalea calamita) Seixal (27-02-2021)
Mas, na verdade, o que são sapos? Como se distinguem das rãs? Bem, pelo que pude apurar, não há uma distinção científica que os separe assim tão linearmente. Ainda assim, existem alguns traços que os definem e nos permitem classificá-los nesses termos. Por exemplo, as rãs possuem dentes e os sapos não. Além disso, as rãs vivem em meio aquático, ao passo que os sapos são terrestres e apenas andam dentro de água quando se pretendem reproduzir.
Há uma tendência popular de chamar sapos aos anuros de pele rugosa e rãs aos de pele lisa, mas esta separação não é tão rigorosa quanto isso. Por exemplo, a chamada rã-de-focinho-pontiagudo tem a pele lisa mas é, na realidade, um sapo. É um animal terrestre que depende de massas de água apenas para se reproduzir.
Rã-de-focinho-pontiagudo juvenil (Discoglossus galganoi) Seixal (31-05-2020)
Já as verdadeiras rãs vivem na água toda a sua vida. Menos mal-vistas que os seus "primos" sapos, elas fazem as delícias das crianças nos lagos de parques e jardins... talvez pelo facto de possuírem uma pele lisa e brilhante, sem as pseudo-verrugas que tão facilmente nos causam repulsa.
Rã-verde (Pelophylax perezi) Almada (19-06-2019)
Em Portugal ocorrem duas espécies de verdadeiras rãs, sendo que a rã-verde apenas ocorre na península ibérica e no sul de França e a rã-ibérica é mesmo endémica da nossa península (em Portugal, só ocorre na metade norte do território).
Rã-ibérica (Rana iberica) Vale de Cambra (08-09-2018)
As relas também são, por vezes, chamadas de rãs. Mas a sua ecologia difere bastante destas últimas, pois são animais arborícolas que que se refugiam na vegetação emergente nas orlas de charcos, ribeiros ou zonas alagadas. Os seus dedos terminam numa ventosa que lhes permite agarrarem-se eficientemente ao trepar pelos os arbustos. A sua cor verde brilhante pode fazer pensar que serão fáceis de encontrar, mas longe disso... é bastante difícil dar com uma, mesmo que a estejamos a ouvir cantar ali ao lado.
Rela-comum (Hyla molleri) Estarreja (23-02-2020)
Apesar de não terem o "glamour" das suas primas rãs e relas, os sapos são criaturas belas e cheias de personalidade, assim consigamos esquecer a nossa tão mal direccionada repulsa e observá-las à luz da curiosidade científica. Quando encontrarmos um destes bichos por aí, vale a pena parar uns minutos para tentar compreender as suas interacções com o meio e até mesmo connosco. Depois sim, ao transmitirmos a alguém aquilo que aprendemos com essa experiência, vamos poder afirmar: "Eu vi um sapo..."